24 de mar. de 2009

A Grande Catástrofe de 2009

Saiu hoje no site do Instituto Mises Brasil um importante artigo do consagrado economista Gerald Celente expondo previsões aterradoras sobre o cenário econômico de 2009. Sugiro enfaticamente a leitura do artigo. Conforme expõe Leandro A. Roque, para quem não sabe
Gerald Celente tem aparecido em vários programas americanos prevendo que os EUA enfrentarão escassez de comida - o que provocará saques em supermercados e distúrbios sociais - e maciças revoltas antitributárias. Seu passado de acertos é respeitável: ele previu a revolução iraniana, o crash da bolsa de valores americana em 1987, o fim da União Soviética, a Crise Asiática, o trimestre exato do estouro da bolha da internet e a crise do subprime. Em 2007, previu o pânico financeiro de 2008, chegando inclusive a declarar naquela época que "gigantes tombarão para a morte". Ficou famosa uma entrevista sua, ainda em dezembro de 2007, dizendo que no ano seguinte dar-se-ia início uma crise econômica "do tipo que os que estão vivos jamais presenciaram".

Não necessariamente um seguidor da escola austríaca (ele nunca se pronunciou a respeito), seu método de análise financeira tem as bases sólidas desta.

O desolador panorama retratado a seguir é para a economia americana. Celente prevê que chegou a hora do estouro da bolha imobiliária comercial. Fica a cargo do leitor decidir se essa análise é crível ou não, bem como o possível impacto disso na economia brasileira. Repetindo: o cenário descrito abaixo não é nada auspicioso.

4 de mar. de 2009

A prova da moralidade libertária: uma crítica

Introdução

Molyneux num ensaio publicado no Mises Brasil, resolveu justificar a ética libertária utilizando o mesmo método científico das ciências naturais (física e biologia). Ele usa esse expediente porque acredita que seria o melhor meio para enfrentar a forte rejeição do libertarianismo nos meios intelectuais.

Considera que embora os libertários tenham conseguido a aceitação de seus oponentes quanto aos méritos do livre mercado no que diz respeito à eficiência, bem como, da impossibilidade do socialismo, os libertários perderam uma importante batalha: não foram capazes de vencer a argumentação moral. Daí o crescimento do estado e da ideologia estatista num ambiente consideravelmente favorável ao livre mercado. O esforço de Molyneux é louvável, todavia não posso dizer o mesmo dos meios em que procura justificar a moralidade libertária. Ao desenvolver a crítica, vou supor que o leitor já tenha lido o seu interessante artigo.

A premissa

Ao invocar o método científico para a descoberta da moralidade (e de qual moralidade), o autor simplesmente está exigindo que levemos em conta que a teoria moral cientificamente válida deva ser a) universal; b) lógica; c) verificável empiricamente, d) reproduzível e; e) que seja a mais simples possível.

Convém lembrar que o autor define a moral como “um conjunto de leis que pretendem identificar precisa e consistentemente os comportamentos humanos preferíveis, do mesmo modo que a física é um conjunto de leis que pretendem identificar precisa e consistentemente o comportamento da matéria.” Segundo Molyneux, há cinco razões para a prova científica da existência de comportamentos humanos preferíveis. Dessas cinco razões, quero examinar duas e então mostrar que a superioridade da moral libertária fica comprometida se utilizarmos o caminho científico fornecido por Molyneux.

O problema do argumento da escolha

Molyneux afirma, como o quarto elemento da formação da moralidade, que a constatação empírica da escolha humana nos revela uma unidade (ou conjunto) de comportamentos humanos preferíveis. Nas palavras do nosso autor “existem muitos exemplos de escolhas comuns entre os humanos, o que indica que o comportamento preferível existe em abundância e é parte da natureza humana”. Se isto é certo, eu estaria equivocado ao afirmar que assistir Big Brother Brasil é um componente apropriado para definir a moralidade, visto que no Brasil, parece haver ser a escolha comum e em abundância? Ou mesmo, escolher Hitler ou Chaves para presidente da nação, pergunto, seria um componente para justificar a moralidade da escolha, visto a sua empírica manifestação de preferências individuais?

O que quero dizer é que a escolha individual está sujeita (Mises e mesmo Rothbard até a época do Man, Economy and State [1962] diriam que está totalmente sujeita) à subjetividade do agente. Então, se as escolhas são marcadas (mesmo que de forma não plena) pela subjetividade, parece que adotar este critério como um componente fundamental da moralidade seria muito perigoso. Se, por exemplo, uma grande maioria de pessoas se sentissem subjetivamente bem (feliz ou satisfeita como diriam os autores utilitaristas) pela extinção à liberdade ou à vida de uma minoria de idosos considerados inconvenientes à esta maioria, o procedimento parece estar justificado como “comportamento humano preferível” já que trata-se de uma “escolha comum” entre os humanos.

No entanto, pode haver uma saída. Estaria de acordo se o autor objetivasse na forma de uma lista conclusa ou quase conclusa, quais são os “comportamentos humanos preferíveis”. Assim, poderia-se escapar da armadilha da subjetividade da escolha.

O problema do argumento biológico

O quinto componente para validar a moralidade, de acordo com Molyneux, seria o argumento biológico. A premissa é a seguinte: os organismos têm sucesso agindo de acordo com o comportamento preferível e o homem é o organismo mais bem sucedido.

Este argumento unido ao da “escolha comum verificável” daria margens, novamente, para a violação de direitos e liberdades do homem. Notemos que Hitler pensava justamente que havia uma raça superior e seu argumento também era de ordem biológica. Mais que isso: o povo alemão foi bem sucedido ao eleger Hitler, e dado que o autor coloca que a mente humana é a máxima expressão biológica do comportamento humano preferível, isto fortalece a eleição do Führer, pois foi através da mente que o povo teria escolhido o melhor.

Molyneux reconhece que a biologia inclui três formas de “aleatoriedade”: o ambiente, a mutação genética e o livre-arbítrio. Mas o curioso é que a vida humana para o autor também só está sujeita a essas três aleatoriedades: como se os humanos não fossem capazes de pensar o metafísico; o absoluto; a noção de medo e dúvida em relação a morte; e a injustiça, elementos cognitivos típico dos humanos (e não custa lembrar, são ausentes de todos os demais organismos vivos), que a biologia ou o método científico não pode fornecer meios para a sua inquirição. Molyneux assim explicita essa limitada visão:

“Os biólogos não têm problemas ao classificar certos organismos como humanos porque eles compartilham características comuns e facilmente identificáveis - somente os moralistas parecem ter esta dificuldade.”

Mas é claro que os moralistas se depararão com esta dificuldade. Geralmente, os moralistas desde Platão e Aristóteles, não esquecem que o homem é definido para além de sua concepção física ou biológica, ou como prefere o nosso autor, dessa concepção científica. A constituição do homem está além da capacidade de apreensão do método científico.

Considerações finais

Ao examinar dois argumentos que, segundo Molyneux, servem de base para a definição da moral que culminaria na justificação moral do libertarianismo, verifiquemos que o método científico proposto pelo autor padece de importantes lacunas que podem culminar na violação de liberdades e direitos básicos do homem. Isso significa que seu método não é adequado para estabelecer a moralidade e ele torna-se ainda pior na tentativa de mostrar e comprovar a superioridade moral do libertarianismo.

Enfim, compreender as possibilidades de conhecer o ser humano e, portanto, a moralidade, somente de acordo com o âmbito de abrangência perceptível ao “método científico” parece ser uma atitude paradoxalmente pouco científica e não serve aos propósitos de justificar uma moral humanamente válida.

16 de fev. de 2009

Os Fundamentos Econômicos da Liberdade

Por Ludwig von Mises

Durante um de seus seminários, um estudante perguntou ao Professor Mises, "Por que não são todos os empresários que são a favor do capitalismo?". "Essa pergunta", Mises respondeu, "é inerentemente marxista." A resposta de Mises chocou-me à época. Demorou algum tempo para que eu pudesse entender o que ele quis dizer. O autor da pergunta presumiu, assim como Karl Marx, que empresários eram um grupo que tinha um interesse especial - ou um interesse de "classe" - no capitalismo, interesse esse que outras pessoas não tinham.

"O capitalismo", prosseguiu Mises, "beneficia a todos: não apenas os consumidores, mas as massas em geral. Ele não beneficia apenas os homens de negócios. Na realidade, no sistema capitalista alguns homens de negócios sofrem prejuízos. A posição de um empresário no mercado nunca está garantida; a porta sempre está aberta para concorrentes que podem desafiar sua posição e, assim, privá-lo de lucros. No entanto, é exatamente essa concorrência sob o capitalismo que garante aos consumidores que os empresários farão seu melhor para fornecer a eles, os consumidores, os bens e serviços que querem."

Leia na íntegra aqui.

23 de jan. de 2009

Justiça e Liberdade

Recomendo fortemente o livro A Justiça Igualitária e seus Críticos (Martins Fontes, 2007) de Álvaro de Vita. O primeiro capítulo é uma consistente análise do libertarianismo a lá Nozick, mas que pode se dirigir à sua variante mais radical como a do Rothbard, por exemplo. O rigor acadêmico do autor é impressionante. Não pode deixar de ler quem estuda filosofia política, filosofia moral e ética.

5 de jan. de 2009

Seção "Livros no Momento"

Para aproximar ainda mais o diálogo com os leitores, acrescentei à direita do blog, junto com a relação de sites, blogs, autores e banners, o item "Livros no Momento" onde relaciono os livros que estou lendo. Agora me dou conta que tal seção deveria estar ali desde quando criei o blog em 2002, pois sou aficcionado por livros e jamais seria capaz de comentar e partilhar com os leitores tudo o que leio. Não tanto pela quantidade, mas simplesmente pela incapacidade de redigir sobre tudo. Então, nesta relação de livros, o leitor poderá acompanhar o que ando lendo "no momento", ou seja, não necessariamente está incluso os clássicos que ficam em cima da minha mesa de estudos por meses e anos, mas livros no mais das vezes que leio para aprender ou aprofundar conhecimentos sobre determinado assunto. Cada livro está linkado à alguma livraria e basta você clicar em cima do título para conferir os maiores detalhes da obra.
Na direção dos dois últimos posts, no momento relaciono alguns livros que imergi nas últimas semanas de 2008. A temática é a religião e o objetivo final é entender melhor o que é ser um católico menos errante. Desse modo, foi particularmente iluminador o livro do Pe. Zezinho (sábia indicação do meu amigo Diego Fernandes) que devorei em dois dias. Será um deleite receber e-mails dos amigos que leram as obras relacionadas e querem discutí-las ou apenas manifestar a importância de alguma em sua jornada de estudos.

31 de dez. de 2008

Antony Flew e Deus
A descoberta de provas da existência de Deus reconforta o fiel inquieto com a questão. Porém, não imaginava que um dos mais importantes e atuantes filósofos ateus do século XX pudesse, no fim das contas, colaborar com os crentes de forma tão impressionante.

Em Um Ateu Garante: Deus Existe, Antony Flew revela que há três fenômenos essenciais que fundamentam a convicção na existência de Deus. Primeiro, as leis da natureza; segundo, a vida com sua organização teleológica; terceiro, a existência do universo. São fenômenos que só podem ser explicados à luz de uma Inteligência que explica tanto sua própria existência, como a existência do mundo, conclui Flew.

Flew não se concentra na explicação científica do modus operandi desses fenômenos, tarefa a cargo dos biólogos, físicos e astrônomos. A pergunta de Flew é de ordem filosófica: como é possível ter surgido a vida, as leis da natureza e o universo com suas perfeitas leis e simetrias? Essa é uma questão cuja solução não reside nas descobertas da biologia ou da cosmologia, embora alguns cientistas se esforcem para tanto. Estas ciências podem nos explicar o funcionamento (modus operandi) dos fenômenos, mas jamais podem explicar como eles vieram a ser. E esta é a questão relevante para que possamos tomar uma posição em relação a existência ou não de Deus. Com efeito, foi este caminho que levou Flew a se convencer que Deus existe, abandonando forçosamente o seu cinqüentenário ateísmo.

A conclusão de Flew, todavia, não implicou a sua aceitação de alguma religião, sem mesmo, a priori, concluiu que Cristo seria Deus encarnado. No entanto, não deixa de exaltar o cristianismo.

“Na verdade, eu acho que o cristianismo é a religião que mais claramente merece ser honrada e respeitada, quer seja verdade ou não sua afirmação de que é uma revelação divina. Não há nada como a combinação da figura carismática de Jesus com o intelectual de primeira classe que foi São Paulo. Praticamente todo o argumento sobre o conteúdo da religião foi produzido por São Paulo, que tinha um raciocínio filosófico brilhante e era capaz de falar e escrever em todas as línguas relevantes" (p. 169).
Ao concluir que Deus existe, Flew encerrou sua jornada na justificação filosófica da existência de um ser onipotente que criou a vida e o universo. Nada além disso. Porém, no fim do livro há um sensacional apêndice (apêndice B) em que o filósofo apresenta uma entrevista que fez com o bispo N. T. Wright sobre o tema. O bispo apresenta uma justificativa tão consistente de que Jesus Cristo foi a mais desconcertante “revelação histórica” do próprio Deus que as últimas palavras de Flew na obra fornecem um sinal interessante.

“Estou muito impressionado com a abordagem do bispo Wright, que é absolutamente nova. Ele apresenta o argumento do cristianismo como algo novo, e isso é de enorme importância, principalmente para o Reino Unido, onde a religião cristã praticamente desapareceu. É uma explicação absolutamente maravilhosa, absolutamente radical e muito poderosa.” (p. 191)
Flew afirma que tudo é possível à onipotência, mas não sei as mais recentes posições do autor sobre o tema da revelação divina, todavia, após a entrevista com Wright, me pergunto francamente como ele pode ainda não aceitar que Deus um dia esteve aqui, em pessoa, e depois tenha ressuscitado. Bem, acho que em breve ele se dará conta.

19 de dez. de 2008

Leituras de Natal

O título deste post poderia muito bem se chamar "Deus: Verdade ou Delírio?" pois andava realmente encucado com a questão de Deus. A propagação do “novo ateísmo” inaugurado em 2006 com os barulhentos livros de Richard Dawkins, Daniel Dennett e Sam Harris, aliado aos recentes livros dos filósofos Luc Ferry e André-Comte Sponville, inevitavelmente atingiram um pouco a minha consciência e a estrutura da minha fé. A questão que se reergueu foi basicamente a seguinte: as descobertas e o raciocínio científicos e o correto exercício filosófico podem abalar a essência da fé em Deus?

A inquietação me levou à busca obstinada por respostas consistentes. Foi então que conheci um livro que fuzila diretamente um dos alvos: O Delírio de Dawkins de Alister McGrath e Joana McGrath. Alister é doutor em biofísica molecular e é colega do próprio Dawkins em Oxford. Um sinal interessante é que após um longo tempo no ateísmo resolveu estudar teologia. Joana, sua esposa, é psicóloga e estudou teologia cristã. O livro por si só desmascara o ateísmo militante de Dawkins; suas inúmeras investidas desonestas e, no fim das contas, Alister mostra que o cientista neodarwinista não passa de um ateu fundamentalista em nada diferente (apenas com o sinal invertido) dos religiosos fundamentalistas. De acordo com Alister, Dawkins assume uma posição tão infundada que envergonha a classe de cientistas. O livro vale muito a pena.

Outro livro bastante útil à discussão foi A Linguagem de Deus escrito pelo biólogo americano e diretor do projeto genoma Francis Collins. Aqui, Collins escreve sobre a suposta oposição entre fé e ciência, revelando o engano de tal disjunção. Além disso, aborda a questão do criacionismo, darwinismo, agnosticismo, a idéia de que a religião é anti-racional, o design inteligente, até tópicos anti-religiosos divulgados nos livros dos ateístas contemporâneos. Ainda estou lendo o livro e sugiro fortemente a sua leitura.

Por fim, gostaria de mencionar um livro que acabo de receber e que promete. Trata-se do livro do filósofo inglês Antony Flew com o sugestivo título: Um Ateu Garante: Deus Existe. As provas incontestáveis de um filósofo que não acreditava em nada. Flew, para quem não sabe, além de ser um autor político libertário (escreveu diversos ensaios e um livro contestando o igualitarismo liberal de John Rawls) foi um dos mais consistentes filósofos ateus ao longo de 50 anos. Neste livro a discussão muda o foco daquela presente nos livros anteriores, porque é filosófica. No fim, porém, há um adendo do filósofo Roy Abraham Varghese reagindo ao “novo ateísmo" militante. De fato, este livro parece ser dos mais interessantes.

Enfim, este post foi apenas uma tentativa de partilhar uma boa notícia (a existência de bons livros!) com os leitores que honestamente se interessam pelo tema da metafísica, da ciência, da religião e como estas disciplinas se relacionam. Um Feliz Natal!

11 de dez. de 2008

Quem ri por último ri melhor: a saga de Peter Shiff

Muitos economistas austríacos há algum tempo já vinham alertando para uma bolha de crédito no mercado imobiliário. Mas o alerta não se limitava no mero aviso. Revelavam didaticamente como tal bolha conduziria a economia ao declínio e à depressão pois, como sabemos desde Mises, a injeção artificial de crédito na economia, embora gere inicialmente um "boom" econômico, no fim das contas é a matriz das grandes depressões. Interessante é a insistência do economista Peter Shiff, economista da linhagem austríaca e comentarista da Fox News, que desde 2006 aparece na TV falando para onde a tal bolha nos conduziria. No entanto, um vídeo no Youtube mostra como ele foi tratado em diversas ocasiões ao alertar o mundo sobre a iminência de uma grande crise econômica. Trataram-no com rizinhos e deboches, mas suas predições se revelaram acertadas e no fim Shiff pôde rir melhor, não fosse tratar-se de um vaticínio bastante desagradável. Confira aqui o vídeo. É imperdível.


Importante detalhe: a teoria austríaca do ciclo econômico não mostra que a economia está por entrar numa depressão baseada em "tendências" gráficas ou estatísticas. Longe disso. Sua teoria é baseada na ação humana (praxeologia), fundamentada de tal modo que mediante a ocorrência de determinado evento (no caso um aumento artificial do crédito pelo governo) ela nos garante com certeza apodítica que na frente teremos um declínio econômico ou depressão. A visão abrangente da teoria pode ser conferida no livro "Ação Humana" de Ludwig von Mises. Tal obra, não custa lembrar, é leitura indispensável para um economista ou estudioso das ciências sociais.

6 de dez. de 2008

Alceu Garcia go back!
Não sei se meus leitores sabem, mas foi no início de 2002 que tive meu primeiro contato com a teoria econômica da escola austríaca. Na época estava no 4º semestre da faculdade de economia e me encontrava altamente intoxicado pelo vírus do keynesianismo (do marxismo o Olavo de Carvalho já tinha me libertado razoavelmente) quando de repente surge um sujeito desconhecido lançando artigos na internet - que rapidamente veio a ser publicado no site do Olavo de Carvalho e algum tempo depois no site O Indivíduo (praticamente as únicas fontes liberais no Brasil na época) - que apresentou à mim (e a muitos outros) o universo da teoria da escola austríaca de economia. Este sujeito, escrevendo com o pseudônimo de "Alceu Garcia", foi quem lançou luzes até hoje radiantes nos meus estudos.

Seu artigos que traziam os argumentos austríacos para desmoronar o marxismo econômico e o keynesianismo representaram um divisor de águas em minha vida e formação acadêmica. Além de tudo, tratava-se de um escritor muito talentoso. Era um deleite ler seus ensaios. Para quem ainda não leu ou quiser retomá-lo, vale conferir na minha relação de "autores que leio". Alceu Garcia está lá e recomendo vivamente.

Mas a razão deste post é informar os leitores que Alceu Garcia está de volta. Agora podemos apreciar seus textos no blog Antimoderno (http://necplusultra.blogspot.com/).
Já era hora! Bem vindo, caro amigo Alceu!

3 de dez. de 2008

V Colóquio Liberty Fund: Sistema Monetário Internacional

Entre 28 e 30 de novembro, tive o privilégio de participar do V Colóquio Liberty Fund sobre Sistema Monetário Internacional, que aconteceu em Petrópolis – RJ. O Colóquio é uma das diversas atividades que o Liberty Fund patrocina mundo a fora e aqui no Brasil conta com a parceria do Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Participaram do evento um grupo de 15 economistas, engenheiros e administradores de diversas instituições de ensino superior e do mercado financeiro e contou com a competente direção de Roberto Fendt. É altamente complicado reduzir as pessoas à rótulos, mas arriscando, o evento foi um estimulante e aprazível debate entre “chicagos” e “austríacos”.

Frente: Hélio Beltrão, Rodrigo Constantino, Claudio Contador, Roberto Fendt, Bruno Medeiros, Paulo Tarso Medeiros, Fabiano Pegunrer, Graciano Sá e José Luis Carvalho.
Atrás: Lucas Mendes, Alfredo Marcolim Peringer, Roberto Luis Troster, Paulo Uebel e Celso Martone.

16 de nov. de 2008

Como debelar a atual crise mundial e evitar que novas aconteçam

1. Introdução

A atual crise financeira mundial que rapidamente excursiona para o lado real da economia tem suas causas na precedente política monetária expansionista levada a cabo pelo Banco Central americano (FED), pelo menos desde meados da década de 1990[1]. Em outros lugares[2] já explicamos como isto acontece e por ora apenas lembramos que a política artificial de expansão do crédito tem o poder de gerar um crescimento da economia. Todavia, como vimos, a expansão artificial logo exige correções e ajustes. Os juros sobem para patamares condizentes com a disponibilidade real de poupança, o crédito se arrefece, pessoas e instituições vão à falência pelo alto endividamento. Aí se revela a insustentabilidade dos negócios feitos anteriormente. Vem a crise e a quebradeira.

No atual contexto, a crise imobiliária americana tem cobrado um preço elevado. Parece que as atuais medidas tomadas pelo governo americano de, num primeiro momento, disponibilizar um crédito na ordem de 700 bilhões de dólares vem gerando pouco efeito. Em que pese haver certa unanimidade de que para debelar a crise são necessárias mais intervenções estatais tanto através de mais regulações quanto de mais crédito, esta saída é o pior caminho a ser tomado, pois significará mais endividamento estatal o que exigirá que a sociedade pague a conta num futuro próximo; sem falar que estas medidas apenas intensificarão o atual ciclo econômico, gerando uma depressão de maiores proporções logo adiante. Se o artificialismo monetário fosse solução para crise, a economia seria um processo de expansão e enriquecimento perpétuo. Há muito tempo a pobreza já estaria extinta. Mas infelizmente não é assim que as coisas funcionam.

Diante desse quadro, aumentar ainda mais os encaixes financeiros da economia via expansão do crédito está longe de ser a melhor solução. Reconhecemos, porém, que tal medida dará novo fôlego para os beneficiários no curto prazo, mas ela tornará as coisas ainda piores em pouco tempo. Seria uma falsa solução.

Julgo que a atual crise exige repostas para duas importantes questões: a primeira consiste em saber qual a melhor medida para debelar a atual crise. A segunda, diz respeito de qual seria o melhor modelo para evitar que a economia sofra crises semelhantes ou piores no futuro. Ou em outras palavras, precisamos saber se é possível cortar o mal pela raiz.

O que passo a considerar a seguir diz respeito aos Estados Unidos. Mas estas medidas têm caráter universal e deveriam ser adotadas por todos os países indistintamente.

2. Como solucionar a atual crise financeira sem tornar as coisas piores?

Para responder a primeira questão, convém que os Estados Unidos reduzam drasticamente os gastos públicos. Isto significa, na prática, a imediata abolição de centenas (ou milhares) de repartições públicas (a tal burocracia) que, longe de terem alguma função social, apenas servem para atender os interesses dos grupos que estão no poder. Assim, o nível dos impostos pode ser reduzido. É imprescindível que esta medida tenha um caráter permanente. Dessa forma, em que pese a elevação dos juros que aconteceria neste momento para reordenar o mercado de crédito, ela por si só jogaria um revigoramento no sistema econômico. Mais recursos estaria nas mãos dos agentes econômicos que direcionariam para atender as demandas mais urgentes dos consumidores. Note-se que esta ação seria análoga àquela proposta pelas autoridades e economistas mundo a fora que insistem em sugerir pela maior expansão do crédito para solucionar um problema causado justamente pelo excesso de crédito. Porém, tal medida, conforme propomos, não teria o artificialismo, pois o corte dos gastos estatais permitiria a redução dos impostos. Assim, os agentes teriam recursos disponíveis pelo ato saudável do governo cortar gastos e impostos, e não em inflacionar ainda mais o sistema pela expansão creditícia.

Com menos recursos em posse do governo acabaria a gigantesca burocracia estatal, que estaria obrigada a aplicar com mais eficiência os recursos obtidos com os impostos. Além disso, acrescenta-se que o emprego dos recursos públicos deve atender a uma gestão eficaz voltada para resultados quantificáveis. Um sistema de incentivo e punição para quem atinge as metas, como adotado no setor privado, serviria como estímulo para a eficiência das atividades públicas restantes.

Não creio e nem quero argumentar neste momento, que a redução indistinta das atividades estatais seja saudável em si. Estou de acordo com Dworkin[3] quando alerta que seria justo que determinados setores de assistência social deveriam ser mantidos à medida que eles efetivamente previnam e evitam que os mais pobres sofram ainda mais com a crise. Esta consideração é de caráter moral, pois ela não acha justo que os mais pobres devam se sacrificar em nome do maior bem-estar ou da prosperidade que virá num futuro como conseqüência da atual reestruturação econômica. Até porque não se sabe ao certo o tempo que levará para que a economia retome a sua pujança. E pedir o sacrifício de alguns em nome do beneficio da maioria, seria não tomar em igual consideração todos os indivíduos. Sacrificar alguns em nome de outros é um traço da ética utilitarista que não condiz com a exigência liberal da igual consideração pessoal. Talvez, até que a economia retome o seu fôlego, os menos favorecidos poderão ficar numa situação ainda pior caso não tiverem uma assistência, sobretudo, no âmbito da educação e da qualificação profissional. Caso contrário, quando a pujança vier, poderão não usufruir dos benefícios, pois suas habilidades – sem falar nas suas condições psicológicas - não darão conta das exigências do novo mercado de trabalho. No fim das contas, estas pessoas poderão ficar numa situação ainda pior do que antes, em que pese o florescimento da economia.

Neste sentido, o corte nos gastos públicos, ressaltamos, deve ser feito em todas as instâncias supérfluas que, em última análise, apenas tem o propósito de servir à própria estrutura burocrática estatal ou, melhor dizendo, só servem ao rei e a seus amigos. Tal reestruturação estatal imprimiria um novo fôlego na economia, pois com a maior disposição de recursos nas mãos de quem os gerou muitos investimentos não iriam a bancarrota e outros tantos seriam redirecionados para as atividades mais urgentemente demandada pelos consumidores. Assim, a crise seria rapidamente debelada em favor da retomada do crescimento econômico.

Ressalta-se que no século XX o poder do Estado se expandiu de forma inédita. Começando pelo poder de emitir moeda até o controle do sistema de previdência social passaram de modo geral a ser monopólio do Estado. Estes e tantos outros serviços são setores que não devem estar a cargo do estado. A iniciativa privada pode dar conta com muito mais eficiência e eficácia do que o realizado pelo setor público. É nestes e outros tantos setores que propomos a transferência de responsabilidade do setor público para o setor privado em regime de livre concorrência.

3. É possível evitar que tais crises sigam acontecendo?

Para responder a segunda questão, isto é, qual medida tomar a fim de que graves distúrbios financeiros como o atual não mais aconteça, cremos que a solução da crise passa, em primeiro lugar, pela abolição da política expansionista, mas não apenas no aumento dos juros da economia. De um ponto de vista abrangente, nossa sugestão indica que é urgente haver uma reestruturação do próprio sistema monetário internacional. Isto pode parecer difícil e até impossível em vista das profundas circunstâncias em que o poder está constituído, mas convém lembrar que quando se está afundado no pântano não se sai dele com apenas um passo. Temos convicção que a solução para se evitar outras crises desta ou maior proporção no futuro passa, necessariamente, pela reforma na atual estrutura financeira global.

A idéia principal é que a moeda deve deixar de ser fornecida pelo monopólio estatal e passasse a vigorar o padrão-ouro. Faremos uma rápida abordagem do conceito de dinheiro e sua emergência na sociedade para entendermos em que consiste e como funciona a proposta do padrão-ouro.

Conforme nota Alceu Garcia[4], “o dinheiro é uma mercadoria sui generis, pois não é bem de consumo nem bem de capital. Demanda-se moeda para trocá-la por bens de consumo ou pelos serviços dos fatores de produção”. Disso decorre que diferente de outras mercadorias que quanto maior for a sua oferta menor são seus preços; no caso da moeda, quanto maior for a sua oferta, menor será o seu poder de compra. Se houver um aumento na disposição de moeda, mais unidades monetárias serão necessárias para comprar a mesma quantidade de mercadoria. Temos aí a verdadeira inflação que consiste na corrosão do poder de compra da moeda e não na falsa noção de “aumento generalizado e persistente nos preços” que se trata do seu efeito.

O fenômeno da moeda como mercadoria emergiu espontaneamente na antiguidade e de certa forma perdurou até o início do século XX. Vários produtos exerceram a função de meio de troca, como o sal (daí salário), o tabaco etc. Posteriormente metais preciosos passaram a ser usados como moeda sendo o ouro e a prata as principais moedas. Este foi um processo natural de mercado, não houve uma imposição governamental exigindo ou facultando que o ouro e a prata fossem adotados como moeda. As pessoas voluntariamente atribuíam aos metais preciosos a conotação de moeda pelas vantagens oferecidas por esta mercadoria. A sua divisibilidade, durabilidade, facilidade de transportar e a valoração intrínseca atribuída pelas pessoas (aceitação geral) conferiam ao ouro e a prata o estatuto de moeda em suas relações econômicas.

Com o advento da atividade bancária, os bancos recebiam o ouro dos agentes proprietários e o gerente do banco dava em troca um recibo de depósito que podia ser trocado no mercado por qualquer bem. O possuidor do recibo de depósito de ouro podia a qualquer momento retirar o seu ouro no tal banco. Neste caso, os bancos guardavam o ouro mediante a cobrança de uma taxa ao proprietário e emitiam recibos de depósito de ouro. Se, por exemplo, alguém depositasse 100 gramas de ouro num banco, o gerente se sentia livre para emprestar o equivalente, pois no caso de saque do recibo, o banco teria o ouro para devolver ao credor. Era o sistema monetário lastreado 100% no ouro. Emitia-se recibo somente na quantidade que o banco possuía em seus estoques.

Alguns bancos, porém, notaram que nem todos os credores vinham ao mesmo tempo sacar o seu ouro, razão pela qual o banco sempre tinha uma folga de estoque. Então, passaram a emitir recibos numa quantia um pouco superior a quantidade de ouro que realmente possuíam. Tal postura passou a predominar e o poder de compra do ouro começou a cair devido a grande quantidade de recibos que estava em circulação. Houve uma corrida aos bancos para sacar o ouro e os bancos não tinham o ouro suficiente para cobrir a quantidade de recibos emitidos e agora simultaneamente demandados pelos credores.

Esta postura irresponsável, no entanto, passou a predominar quando os governos perceberam que podiam se beneficiar no poder de emissão de moeda para financiar os seus gastos, sobretudo suas investidas bélicas. Foi então que o Estado passou a monopolizar a emissão de moeda e os detentores de ouro-moeda passaram a ter que cunhar em suas moedas-ouro o distintivo do rei (senhoriagem). Os governos espertalhões também passaram a misturar outros metais na fundição do ouro a fim de arcar com suas despesas bélicas. O processo inflacionário gerado pelo governo punia toda a sociedade, especialmente os pobres que são os últimos a receber a moeda inflacionada (falsificada), mas beneficiava o próprio governo, que utilizava a moeda antes dos preços subirem. Tal prática foi muito comum como, por exemplo, na época da queda do império romano. Uma das causas da queda do império foi o colapso monetário que causou uma desestruturação sistêmica e arruinou a economia.

A vantagem, porém, da moeda ser emitida por agentes privados, na ausência de qualquer determinação estatal, é que quando um banco falsificar moeda emitindo mais recibos de depósito do que o equivalente em ouro em seus estoques, rapidamente se revelará a fraude e os agentes econômicos não confiarão mais na instituição fraudadora. Note-se, além disso, que um banco que venha a emitir mais recibos do que a proporção de ouro que tem em seus cofres estará violando o direito de propriedade dos credores.

O sistema de padrão-ouro necessita estar desconectado de qualquer arbitragem política. E a emissão de recibos de crédito em ouro deve ser estritamente lastreada em ouro existente nos estoque do banco emissor. O livre mercado, isto é, a possibilidade dos agentes econômicos mudarem de instituição assim que desconfiarem que a sua esteja fraudando moeda, passa a ser o grande incentivo para que as instituições financeiras não cometam aventuras irresponsáveis. Porém, ainda assim, tal sistema tem seus defeitos, ainda que não superiores ao estatal.

Mesmo no sistema de padrão-ouro pode haver uma corrosão no poder de compra da moeda quando, por exemplo, os mineradores encontrarem mais ouro para monetização, elevando assim a sua oferta. Tal fenômeno beneficiaria primeiramente os mineradores e seria atingido por meio do avanço nas técnicas de extração no metal, mas desde que tais avanços superassem os custos de extração de ouro. Ou seja, a expansão monetária ocorreria somente com o aumento da produtividade no setor de mineração. Não haveria mais motivações políticas para inflacionar, ainda mais sem custo algum como é o caso do sistema de moeda fiduciária contemporâneo que basta imprimir papel para o governo se beneficiar.

No padrão-ouro a inflação artificial gerada pelos bancos seria fortemente desestimulada pela própria exigência dos credores preferirem confiar seu ouro às instituições íntegras e confiáveis. E, no livre mercado, as instituições teriam incentivos para permanecerem honestas sob a pena de terem de abandonar o mercado pela falta de clientes.

Este sistema é seguramente superior ao estatal que faz a moeda-papel possuir curso forçado na economia e, portanto, modela um sistema onde o próprio Estado possui fortes incentivos para inflacionar o dinheiro, seja através da expansão artificial do crédito ou mesmo pela impressão de moeda-papel, porque o próprio estado acaba sendo beneficiário desta fraude. Tal expediente tem sido sistematicamente usado desde o surgimento dos bancos centrais e de seu monopólio da impressão de dinheiro e de controle da economia monetária. A expansão monetária artificial para atender interesses políticos se torna ainda mais tentadora no contexto das democracias, onde a alteridade de mandatos presidenciais estimula ações voltadas para o curto prazo, em vista que o horizonte administrativo do partido governante geralmente não ultrapassa os limites das próximas eleições.

4. Considerações Finais

Para finalizar, lembramos que enquanto o governo estiver como timoneiro do importante mercado monetário, as crises serão uma constante também nos tempos vindouros. Portanto, nossa sugestão passa inicialmente pela reestruturação geral das funções do Estado, no sentido de abolir diversas autarquias, ministérios, secretarias, subsecretarias etc. a fim de permitir uma melhor e mais eficiente alocação dos recursos em sociedade. Como segunda medida, consideramos especificamente que é indispensável rever o sistema monetário. Para tanto, somos favoráveis à implementação de um sistema 100% lastreado em ouro, pois este se apresenta como uma alternativa superior ao sistema estatal de moeda de curso forçado que fica totalmente vulnerável aos apetites políticos do governante do dia. Reconhecemos ambas as medidas como profundas, provavelmente até de difícil aceitação no curto prazo, mas estamos convictos que elas estão num patamar adequado para dar uma resposta à precária, frágil e fraudulenta estrutura do sistema monetário internacional. O atual modelo de regulação e controle estatal é um fracasso e não serve para os propósitos de uma economia estável e saudável. O padrão-ouro concomitante ao fim do monopólio estatal na emissão de moeda é a solução que o mundo precisa para não mais reviver as persistentes crises geradas pela ingerência governamental.

[1] Veja-se especialmente o artigo de Antony Mueller O que está por trás da crise do mercado financeiro?. Sobre a bolha imobiliária ver o esclarecedor esquema de Mark Thornton A Bolha Imobiliária em 4 Etapas.
[2]
Esta crise é mais um colapso gerado pelo capitalismo?
[3] Uma Questão de Princípio. Cap. 9 - Por que os liberais devem prezar a igualdade. Martins Fontes. 2005, p. 312-13.
[4]
A Função Social do Dinheiro.

14 de out. de 2008

O que propõem os austríacos para solucionar a crise?

Depois da crise gerada pelo intervencionismo estatal no sistema econômico e da ilustrada explicação fornecida pelos economistas associados à escola austríaca de economia, conforme, em resumo, expus no post anterior, convém questionar quais as soluções - se é que existem - que os “austríacos” fornecem para debelar tal crise e recolocar a economia nos trilhos do crescimento econômico sustentável [1].

Sim, os austríacos não apenas parecem fornecer a mais sólida e reveladora explicação das crises econômicas como a que ora vivemos, mas também propõem soluções. A solução austríaca, como é de se intuir, passa ao largo das soluções que estão sendo sinalizadas mundo a fora, a saber, a criação de pacotes econômicos de ajuda financeira às instituições falidas ou à beira de falir. Ou seja, os austríacos mantêm-se distante de tentar curar o alcoólatra moribundo com ainda mais cachaça.

Via de regra, entendem que a crise deve ser solucionada com políticas econômicas restritivas, não porque tratam-se de um mecanismo de ação estatal em si, mas porquê elas são as únicas saídas para reordenar a economia e colocá-la de volta no lugar de onde nunca deveria ter saído: nos trilhos da realidade econômica. Medidas como a) reposicionar os juros, isto é, elevá-los à níveis condizentes com a disponibilidade real de poupança, b) cortar os gastos públicos, c) não imprimir moeda-papel, devem ser adotadas pelos governos a fim de evitar o colapso do sistema.

Certamente, estas medidas terão um custo, com maior desemprego, falência de certas indústrias etc. Mas este remédio amargo é inevitável e necessário para colocar a economia de volta nos trilhos. Vencida a crise e restabelecida a normalidade do mercado, os austríacos ainda têm mais proposições a fazer, e não são poucas. De fato, entra-se aí numa discussão interna, pois alguns contemporâneos, por exemplo, defendem uma atuação estatal bastante tímida, diria passiva, deixando o mercado o mais livre possível, evitando distorcer a sua estrutura. Outros, porém, como Mises e Rothbard, argumentam a favor da extinção total de todos os BCs e de toda e qualquer intervenção do Estado, inclusive no âmbito tributário, por entenderem que tais intervenções apenas e somente agravam a economia. Neste caso, sugerem a volta do padrão ouro, o sistema monetário genuinamente de mercado, ou, então, como originalmente Hayek propôs, defendem que os bancos, em regime de concorrência, emitam a sua própria moeda, e os agentes econômicos escolheriam livremente qual moeda utilizar em suas transações. Hayek pretende combater o monopólio do Estado em emitir moeda, pois considerava que o monopólio na oferta de moeda não tem incentivos para permanecer previdente, sendo o grande causador das graves crises econômicas.

Mas, para encerrar, e apesar destas contendas que valem a pena serem melhor analisadas, uma coisa é certa: os austríacos são ardorosos defensores da menor intervenção possível do Estado na atividade econômica. Estão convictos que deixar o Estado afastado da economia é como deixar a bebida longe do ex-alcoólatra.
________
[1] Uso o termo “sustentável” no sentido de crescimento econômico persistente, sem graves distúrbios como o atual. Portanto, nada a ver com o modal termo usado na discussão de cunho ambiental.

Esta crise é mais um colapso gerado pelo capitalismo?

O texto abaixo foi enviado para um professor que solicitou as minhas considerações sobre o distúrbio econômico planetário.

Caro Professor,

Conforme provocado, eu estava lendo os jornais de fim de semana, e constatei que todos os editoriais afirmam compulsivamente o clássico chavão: a crise é do capitalismo!

Na esteira disso, significa aquela história bem conhecida: o livre mercado é em si gerador compulsivo de surtos irracionais de crescimento, euforia, motivado pela ganância dos homens que conduz a uma situação insustentável que, para corrigi-la, somente a ação do bem-feitor desta humanidade egoísta: o nosso velho amigo Estado.

Surpreendentemente (nem tanto, confesso), é que TODOS, jornalistas, economistas, burocratas, artistas, jogadores de futebol, atrizes pornôs e por aí vai, repetem esta estória falssíssima. Porém, uma leitura, mesmo que rápida, nos escritos dos economistas austríacos, começando por Ludwig von Mises num de seus tratados de 1912 (veja, 1912!) verifica-se que a grande causa das crises econômicas como a de 1929 e esta que estamos vivendo é fruto não do liberalismo econômico, da ganância dos investidores, mas sim do intervencionismo estatal, ou seja, da ausência de liberalismo econômico.

Explico: os economistas austríacos notaram que quando o governo injeta moeda em excesso na economia - e ele tem vários meios para fazer isto, seja imprimindo moeda papel, seja gastando mais que arrecada, seja baixando os juros a canetaço - ele estará emitindo sinais para os agentes econômicos de que existe mais poupança para investimento do que a realmente existente (existe uma lei econômica que revela que sem poupança não existe investimento). Portanto, estas intervenções estatais têm um influente poder de decidir os rumos da economia. Basta os burocratas usarem a máquina. O problema é que estas medidas artificiais de impulsionar o crescimento trazem consigo um custo altíssimo. Injetar moeda na economia é como dar álcool para o alcoólatra. No inicío gera euforia; se insistir, resultará numa cirrose hepática, para dizer o mínimo.

É o que ocorre quando o governo injeta moeda no sistema econômico. No início mais pessoas têm acesso ao crédito, o dinheiro fica barato, projetos de investimentos que antes da política artificial eram inviáveis, agora se tornam viáveis. O cálculo econômico utilizado pelos investidores, sinaliza que os planos de investimentos em unidades de produção devem ser levados a cabo. Todos correm em busca de crédito, pois ele existe e está barato, e inicia-se uma fase de expansão. Mais empregos, consumo e riqueza são gerados. O problema, é que se o governo levar adiante esta medida, em breve haverá um impulso inflacionário. E aí se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Se o governo insistir na expansão monetária, a moeda começa a perder o seu valor, e os agentes começam a "ver" que os preços estão subindo a cada dia. Aumenta a incerteza, vem o pânico. Em suma, dar mais álcool ao bêbado, levará ele ao coma ou à morte. Então, o governo se vê obrigado a aumentar os juros, a adotar políticas restritivas. E o quê, na prática, isto representa: aumento dos juros, menos gasto público, menos tinta na impressora da casa da moeda.

Estas medidas, por seu lado, simplesmente anunciam aos investidores que seu projetos anteriormente iniciados se revelaram inviáveis, que simplesmente não são mais lucrativos. Começa um período de demissões e quebradeira. A expansão inicial se transforma em crise e depressão.

É isto o que ocorreu em 1929 e é precisamente isto o que está ocorrendo agora. Nada de crise do capitalismo ou das "forças irracionais do mercado". É a mais estrita crise das forças irracionais do Estado intervencionista. De novo e sempre!

Dizer que os economistas foram incapazes de prever mais esta crise, como todos alardeiam por aí, é ignorância e prepotência de classe. Os economistas austríacos, para quem acompanha o site http://www.mises.org/, vem insistentemente, ao longo dos últimos tempos, anunciando que o artificialismo gerado pelo FED desde 2003 estava com os dias contados. Que a crise em breve viria. Mas quem dá ouvidos à economistas que defendem o Estado mínimo; que exigem a ausência total dos tentáculos do Estado operando no sistema econômico? Imagina quantos poderosos encastelados nos governos e na ONU estariam desempregados se fosse dado ouvidos aos economistas austríacos!

Por fim, veja que intessante e elucidativo este esquema aqui: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=168

E se tiver um interesse geral, este guia da crise é muito revelador: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=162

Até meses atrás só quem lia inglês tinha acesso à estes textos. Graças ao esforço de alguns guerreiros, agora, nós brasileiros, estamos tendo acesso à eles via o site do Mises Brasil. Mas mesmo assim, é imperdoável ver "especialistas" dizer que ninguém previu a crise, ou o que é ainda pior: que a crise é do liberalismo econômico ganancioso. Bela empulhação.

23 de set. de 2008

Livro: O Clã de Hitler

Por indicação de um amigo, comecei a ler livro de Pablo Allegritti O Clã de Hitler. Já adianto aos leitores: o livro é fascinante. A análise concentra-se sobre as influencias que Hitler - e a ideologia nazista de modo geral - absorveu dos antigos cultos pagãos e como estas influencias acabaram por serem decisivas no formato e motivações da ideologia nazista.

Pensar que o nazismo foi meramente uma potente doutrina política é considerar apenas parte da história. O misticismo messiânico, inspirado em antigos cultos celtas e na mitologia gemano-nórdica que fundamentou o nazismo, conforme detalhadamente relata Allegritti, possivelmente tenha sido o fator que tornou o nazismo um dos fenômenos mais alucinantes e macabros da história.

***

Nota: A Martins Fontes recentemente lançou o livro "O Vaticano e Hitler" que aborda o macabro apoio que o Vaticano, na pessoa do papa Pio XII, teria dado ao nazismo. Parece excelente o livro. Até agora, que eu sei, já temos dois livros nesta linha traduzidos no Brasil. Além deste, temos o controverso "Papa de Hitler". Enquanto isto, porém, ainda permanece ocultado do público nacional o livro de David Dalin "The Myth of Hitler's Pope", bem como, a portentosa investigação de José M. Sánches "Pius XII and the Holocaust".

Por traz deste véu de ocultação bibliográfica, fica fácil e até confortável qualquer um botar banca de historiador e proclamar que a Igreja foi antisemita etc. etc.

1 de set. de 2008

Sobre o vídeo "O Crucifixo e a Nudez" de Rodrigo Constantino
Este artigo foi publicado como editorial [1] no site Farol da Democracia Representativa em 03/09/2008.

O Constantino disponibilizou no Youtube um vídeo [2] onde comenta a reação de alguns católicos às fotos da atriz Carol Castro na Playboy onde a moça estaria posando nua com um terço no pescoço. Como relata Constantino, a reação dos católicos foi em razão de que tais fotos blasfemam suas crenças. Constantino, como de hábito, critica a postura dos católicos e defende que a liberdade de expressão se estende logicamente à liberdade de agredir a crença dos outros. Neste artigo farei algumas considerações ético-normativas à este importante tema.

Primeiramente, gostaria de ponderar que a ofensa à religiosidade do outro é agressão/crime conforme o código penal brasileiro.

Mas independente disso, e este é o ponto que gostaria de enfatizar, existe uma outra dimensão do tema totalmente desprezado nas críticas comuns. Geralmente estas críticas reconhecem que a agressão física à uma pessoa é crime, ao tempo que não reconhecem que ofensas morais o sejam. Rothbard, por exemplo, segue este raciocínio. Mas veja que apesar de Rothbard se dizer aristotélico (cf. The Ethics of Liberty), ele despreza um dos componentes essenciais desta tradição grega. Esta tradição, inaugurada por Sócrates, reconhecia o homem para além de sua dimensão física; reconhecia que o homem além desta dimensão material é constituído também por algo por eles denominado "alma" (ou psique). Assim sendo, uma ética que reconhece a agressão apenas na sua dimensão física, é ela mesma uma ética absolutamente discutível e não tão absoluta ou "natural" como aborda Rothbard.

Considero que esta dimensão ética normativa que considera o homem para além da matéria (e, note, isto não é um argumento religioso), deve fazer parte de qualquer ética humana que exija respeito e consideração no debate público. Dizer que afronta/agressão às crenças dos outros está no plano comum da mera "liberdade de expressão" é desconsiderar um conceito do humano por milênios reconhecido pelas mais distintas e consistentes filosofias. De fato, para tal argumento ser levado a sério, o primeiro passo seria provar que esta dimensão é irrelevante ou inexistente.

Alguns liberais frequentemente argumentam desse modo:

"a) Cada um tem o direito de crer no que quiser, mas b) não deve ter o direito de impor que os demais tratem essa crença como sagrada."

Penso que a primeira parte deste argumento está certa, porém, a segunda parte é falha. Parece razoável a noção de que a pessoa enquanto tal merece respeito (considerando que o homem é physis e psique). Então isto exige que as outras pessoas respeitem suas crenças também. Mas, claro, desde que o seu exercício não agrida a crença dos outros. Portanto, devemos tratar (no sentido de respeitar) publicamente a crença dos outros como sagrada se assim elas exigem[3]. Note-se, porém, que tratar a crença dos outros como sagrada é um exercício bem diferente de seguir e exercer tal crença. Este tratar está no plano do respeitar, simplesmente por que o outro enquanto pessoa merece tal tratamento.

Ou seja, parece que há que despolarizar a maneira como aborda-se o tema (ou é isto ou é aquilo) pois, desse modo, ela limita a própria possibilidade do raciocínio.
Penso ser razoável o argumento de que as "crenças" (sejam sagradas ou apenas tradicionalmente exercidas) devam ser respeitadas publicamente, exceto quando o exercício da crença impeça o exercício de outras crenças por outras pessoas, i.e., quando o exercício de uma crença "agrida" os outros.

O tema, porém, não é fácil, pois deve-se achar critérios justificáveis para delimitar o espectro de ação das pessoas que exercem as mais variadas e até antagônicas crenças, bem como, definir da melhor maneira possível o que seja uma crença justificável, o que também exigiria uma definição e delimitação do que podemos chamar de "esfera pública de ação".

Além disso e, para encerrar, deve-se separar o que seja uma doutrina política (com ambição de neutralidade para lidar com o conjunto de doutrinas filosóficas, morais e religiosas, por vezes antagônicas). Sabe-se que este esforço foi tentado desde Locke e os liberais clássicos do iluminismo. Foi reavivado, considerando o contexto das democracias modernas, pelo filósofo americano John Rawls em sua Uma Teoria da Justiça (1971) e pormenorizadamente discutido e aprimorado no seu Liberalismo Político (1993). Efetivamente, este assunto após a abordagem de Rawls em 1971, foi um dos temas de filosofia política mais fervescentemente discutidos nas célebres publicações acadêmicas tais como a Ethics e a Philosophy and Public Affairs. Infelizmente, nestas poucas linhas não seremos capazes de dar conta de toda a sua complexidade e exigência. Mas recorrer aos papers, estudá-los e entendê-los é o caminho.
[2] Há também em formato artigo aqui.
[3] Não parece razoável que a mera subjetividade ou a intensidade do desejo dos requerentes de determinada crença seja o critério (suficiente) para definir se a crença é sagrada ou não.

28 de jul. de 2008

Resposta ao Richard

Reporto-me a réplica ao meu artigo sobre a teoria da pobreza do Hoppe feita pelo Richard Sylvestre, proprietário de uma capacidade de análise invejável, bem como, do recomendadíssimo blog Depósito de Idéias. Antes de iniciar minha resposta ao Richard, porém, quero agradecer-lhe pela atenção dispensada ao meu texto, bem como, torno público que ao longo dos últimos tempos tenho tido o privilégio de trocar idéias com ele, o que tem sido de grande proveito para mim. O Richard é um economista jovem como eu, mas muito mais inteligente, pois, entre outras realizações, é capaz de unir o apreço pela análise hard da teoria econômica neoclássica com um profundo conhecimento da economia de Mises e seus discípulos. Então, vamos à discussão.

I

Primeiro, exponho resumidamente o meu argumento que é o seguinte: Hoppe considera que a alta taxa de preferência temporal das pessoas é a “causa comum” de sua pobreza e miséria. Eu, porém, questiono em que medida o meio em que a pessoa nasce não resulta por influenciar na formação da sua preferência temporal. Ou seja: em que medida a pobreza e as situações de destituição material e familiar que uma pessoa nasce não influenciam a formação da sua preferência temporal? Como deixei claro, não levanto objeção quanto à idéia de que pessoas pobres tenham - tudo o mais permanecendo constante - uma alta taxa de preferência temporal (orientação ao presente), enquanto que pessoas ricas tenham uma baixa preferência temporal (orientação futura). Então, vamos aos pontos levantados pelo Richard.

II

O núcleo da argumentação do Richard consistiu em dois pontos, nos quais o primeiro reitera a relação hoppeana entre preferência temporal e condição do agente, da seguinte forma:


Mais especificamente sobre a teoria do Hoppe, não há erro na relação de causalidade entre baixa preferência temporal e riqueza. Seja lá o porquê um individuo tenha alta ou baixa preferência temporal, a conseqüência disso será a mesma. Mantendo as demais “características” constantes, o individuo com baixa preferência tenderá a ser mais rico que o de alta. Além disso, dizer que um pobre que ganha pouco não poupa porque tem que satisfazer suas “necessidades básicas” ou não tem cultura, valores adequados (que incentivem a poupança) é só uma maneira confusa de dizer que não poupa porque tem alta preferência temporal. Se comprar determinado bem hoje, agora é tão valorado pelo agente a ponto de você chamar de “necessidades básicas” em detrimento da poupança, o que você está dizendo é que ele tem uma “altíssima preferência temporal”. O mesmo para a “cultura” (ele dá um valor maior ao consumo presente do que ao consumo futuro porque a sua cultura "defende" isso).

Do ponto de vista estrito da teoria econômica, pouco importa de onde vem a preferência de um individuo por lasanha em relação a peixe, sorvete de creme em relação ao de morango ou consumo presente em relação a consumo futuro [itálico meu]. A relação causal apontada por Hoppe é correta (baixa preferência temporal favorece o enriquecimento e alta preferência temporal “joga contra”). Não há erro na teoria (também não há erro em dizer que riqueza pode "levar à preferência temporal mais baixa").

Como está claro, assinamos em baixo este ponto.

O segundo, todavia, é exatamente o que pretendi questionar no meu artigo, e antes de tecer considerações adicionais reproduzo as palavras do Richard onde ele procura sustentar que eu cometo uma “inversão moral”:


No entanto, moralmente, a inversão, como foi defendida, é um erro bastante grave. Eu poderia falar mais dessa “moralidade” por trás da inversão colocada pelo Lucas, mas acho que o texto que deixei linkado retrata um pouco o que penso. Essa inversão, "a soberania do meio sobre o indivíduo", nega a razão, nega o ser humano, a sua consciência. Em suma, nega a mente humana. Seres humanos não escolhem, não possuem aquilo que antigamente era chamado de “livre arbítrio”. Eles simplesmente reagem ao meio, são produtos do meio. Eles não raciocinam, não analisam, não avaliam o que “recebem do meio”, simplesmente reagem sem consciência, sem uma escolha deliberada e racional. É isso que está por trás do pensamento daqueles que dizem que “virou bandido porque não teve escolha, vivia no meio da violência” (que é do fala o texto linkado), e é exatamente isso que está por trás da inversão levantada pelo Lucas. Poupar ou não deixa de ser uma escolha deliberada, racional. Passa a ser uma “reação ao meio”, uma imposição do meio que não “deixa escolha”.

Em essência, Richard diz que meu argumento atribui “a soberania do meio sobre o indivíduo” e que esta “inversão moral” implica na negação da razão humana, do ser humano e de sua consciência. Em suma, o meu argumento, nas palavras do Richard, “nega a mente humana”. Disso resulta que o meio define o indivíduo no sentido de ser capaz de abolir a sua capacidade de julgamento e razão e, portanto, define a formação de sua preferência temporal. Este argumento é notoriamente influenciado pela novelista Ayn Rand, criadora da filosofia ética objetivista. No entanto, julgo que estas afirmações do Richard sobre esta minha “inversão moral” são apenas de caráter retórico, conforme procurarei demonstrar.

III

Hoppe parece assumir uma tese que absolutiza a seguinte questão: os pobres são pobres, porque tem alta preferência temporal. E é esta alta taxa de preferência temporal que determina a sua condição de pobreza e destituição. No entanto, mesmo Richard não reconhece isto, pois assume (e estou de acordo) que “do ponto de vista estrito da teoria econômica, pouco importa de onde vem a preferência de um indivíduo por consumo presente em relação a consumo futuro”. Eu, porém, procurei justamente inquirir em que medida a pobreza e a destituição material e familiar em que uma pessoa nasce acaba por influenciar na formação da sua preferência temporal?

A noção, por enquanto intuitiva, é que situações de pobreza e destituição em que determinada pessoa nasce tem potencial de influenciar a formação da sua consciência em relação à vida, porém não no sentido de que há um caráter absoluto de supor uma “soberania do meio” como alude com rigor o Richard. Assim sendo, penso que talvez a praxeologia não possa nos auxiliar na descoberta de quem veio primeiro: a alta taxa de preferência temporal ou a pobreza?

O notável economista Alfredo Marcolin Peringer, porém, me alerta que o meio gera “incentivos praxeológicos” no indivíduo, portanto, concluo, somos levados a aceitar a idéia de que o meio gera incentivos na formação da preferência temporal dos indivíduos. Aqui parece residir uma afirmação, fundamenta da praxeologia, de que a pobreza pode influenciar, ou seja, causar a alta preferência temporal. Todavia, confesso que para mim não está claro esta justificação praxeológica, pois se estiver, talvez o erro do Hoppe seja ainda mais grave.

Richard, como bom randiano, por seu lado, enfatiza que os homens são racionais, que são autônomos, e não são escravos das contingências da vida, da cultura etc. e que, portanto, podem superar através da razão, as forças contingenciais do meio. Isto é certo, todavia, não acho que seja uma verdade absoluta, no sentido de que o meio JAMAIS influencia a formação da razão e de julgamentos de valores de uma pessoa. Esta é a minha contenda em relação ao Hoppe. Estou levantando uma questão cuja solução talvez exija ultrapassar os limites da praxeologia e adentrar, possivelmente, no âmbito da psicologia social e da antropologia. Acho que estas disciplinas podem nos auxiliar a solucionar este dilema, se é que a praxeologia mesmo não possa solucionar, mas se pode, note-se, nem o Hoppe nem o Richard nos mostraram.

Se concordamos que estamos diante de um dilema de saber quem veio primeiro, só resta reforçar o argumento de que Hoppe não pode afirmar que a alta taxa de preferência temporal seja em si a causa comum da pobreza sem considerar que a pobreza também pode influenciar a preferência temporal. Por isto sugiro que parece ser necessário reivindicar o auxílio de outros meios de investigação ou mesmo argumentos praxeológicos, porém, até então não apresentados.

25 de jul. de 2008

O que há de errado com a teoria da pobreza de Hoppe?

I. Introdução

Há quem diga que a preocupação central da economia não é com a pobreza, mas com a riqueza, visto que a pobreza é a condição natural da humanidade, sendo, pois, o desafio da economia, entender a natureza e as causas da riqueza, pois é ela que proporciona uma melhora nas condições de vida do homem, retirando-o daquele estado pobre e hostil de sua situação natural.

Pois bem, ao longo da história do pensamento econômico, diversos economistas e correntes econômicas pensaram o assunto e no mais das vezes chegaram à conclusões diferentes - e até opostas - sobre a força motriz da geração de riqueza em sociedade e, conseqüentemente, dos meios adequados para a redução ou eliminação geral da pobreza. Uma das expoentes escolas foi a escola marxista que argumentava que a causa da pobreza era justamente a riqueza promovida pelo capitalismo. Em que pese o fato de os marxistas reconhecerem que o capitalismo fosse capaz de gerar uma grande quantidade de riqueza por um lado, argumentavam que, por outro lado, esta riqueza era a causadora real da pobreza. Pedro ficava rico porque João ficava pobre, justificavam os marxistas. Esta é, em poucas palavras, a conhecida teoria da exploração capitalista. De fato, a perspectiva marxista apresenta contra-intuitivamente uma teoria da pobreza e não da riqueza das nações.

Todavia, alguns elementos teóricos interessantes – mas equivocados - podem-se extrair desta concepção da causa da pobreza. Primeiro, que a economia é um jogo de soma zero. Isto é, para que alguém possa ganhar necessariamente outro tem de perder, como se a riqueza fosse um quantum estático. Porém, esta perspectiva parece não levar em conta que a economia é um processo dinâmico e não estático, conforme nos mostra com um notável grau de clareza a teoria descoberta pelos economistas austríacos, principalmente Mises e Hayek.

Outra influente escola do pensamento econômico a apresentar uma teoria das causas da riqueza foi justamente a escola liberal, conforme ilustrado nos livros de economistas clássicos como Smith e Mill e que acabaram por projetar um impacto no corpo da teoria da escola austríaca, embora esta escola tenha desenvolvido a abordagem das causas da riqueza em sociedade num grau teórico mais refinado, conforme expõe, por exemplo, Mises em seu monumental livro Ação Humana: um tratado de economia, de 1949. Fundamentalmente, os clássicos, bem como os austríacos, procuraram mostrar que a fonte da riqueza geral começa pelo reconhecimento da propriedade privada dos meios de produção, passando por um ambiente favorável à produção e às trocas comerciais, ou seja, por um sólido ambiente de livre mercado garantido por um Estado de Direito. Alguns elementos de sofisticação teórica descobertos pelos economistas como Hayek, é que a economia é um processo de interação contínua (ao longo do tempo) de agentes econômicos, marcados pela escassez dos recursos e pela incerteza quanto ao futuro (estado de ignorância). A escassez aliada a incerteza (características de qualquer sistema econômico), argumentava Hayek, condiciona os indivíduos quando inseridos num ambiente de livre mercado, a agirem no mercado, produzindo, comprando, vendendo, gastando, poupando, e isto sistematicamente ajuda a reduzir o seu estado de ignorância e escassez, permitindo, deste modo, a descoberta de novos modos de produção, mais eficazes, respondendo a demanda apresentada pelos consumidores. Por outro lado, os consumidores, através de sua experiência, vão aprimorando o seu conhecimento, de modo que passam a evitar erros do passado e acertar, igualmente, suas decisões de consumo. Isto por sua vez, sinaliza para os empreendedores quais são os produtos e suas características mais urgentemente demandas pelos consumidores. É este processo, constituído ao longo do tempo, que fornece os meios mais adequados para a alocação dos escassos recursos econômicos, reduzindo a situação de pobreza e promovendo um aumento no bem-estar geral.

Por certo, existem outras escolas e pensadores que refletiram sobre o tema. Porém, ficaremos com estas duas a molde de ilustração de dois exemplos teóricos tão opostos quanto influentes. Muitas das demais escolas simplesmente seguiram em alguma medida as bases teóricas fornecidas por alguma dessas teorias ou ainda usaram ambas construindo uma fusão teórica para pensar o assunto.

Nossa preocupação, neste artigo, será, todavia, com a teoria do economista e filósofo social germano-americano Hans-Hermann Hoppe. Hoppe é um dos mais notáveis pensadores em atividade ligados a escola austríaca de economia e um dos principais autores anarco-capitalista, e sua contribuição teórica percorre desde a justificação da superioridade ética do capitalismo de livre mercado em oposição a alternativa socialista[1], até uma profunda investigação sobre os males da democracia e do Estado moderno sobre a liberdade e o processo civilizacional[2]. Neste artigo, nosso objetivo central é examinar o seu argumento sobre as causas da pobreza, conforme apresentado no seu livro Democracy: The God That Failed.

II. A lei da preferência temporal

Um dos elementos centrais da justificativa para a decadência civilizacional identificada por Hoppe quando da transição das monarquias para as democracias modernas, é o exame do que os economistas (especialmente os ligados à escola austríaca) chamam de preferência temporal. A preferência temporal é um componente que revela a importância do tempo na ação humana[3]. Convém expor a definição que Hoppe nos apresenta[4]:


Ao agir, o homem invariavelmente pretende substituir um estado de coisas menos satisfatório por um estado de coisas mais satisfatório e, assim, sua própria ação demonstra uma preferência por mais bens do que por menos. Além disso, ele também considera quando sua meta será atingida no futuro, isto é, o tempo necessário para atingi-la, bem como, a durabilidade do bem/meta pretendido. Portanto, o homem também demonstra uma preferência universal por bens no presente do que no futuro e por bens mais duráveis que menos duráveis[5].

A lei da preferência temporal demonstra que quanto maior for a taxa de preferência temporal de uma pessoa, maior é a sua disposição à ações voltadas para o presente como, por exemplo, não poupar o seu salário preferindo gastar tudo em consumo corrente. Contrariamente, quanto mais baixa é a preferência temporal do agente, maior é a sua orientação para o futuro, preferindo algum grau de poupança.

Em termos econômicos, por exemplo, o homem pode escolher entre gastar todo o seu salário no presente, com consumo corrente, ou poupar parte dele para garantir um maior consumo no futuro. O capitalista que investe recursos no presente visando o aumento da produção e da competitividade, também está revelando uma preferência temporal orientada para o futuro, isto é, algum grau de baixa preferência temporal. Consequentemente, a baixa preferência temporal é um componente necessário (por certo não é suficiente) para o progresso econômico, pois é ela que garante a disposição dos agentes à previdência garantindo a poupança e o investimento produtivo, ou seja, a efetiva orientação dos agentes para o futuro[6].

III. A pobreza segundo Hoppe

Neste sentido, baseado num estudo sociológico de Banfield[7], Hoppe apresenta a justificativa para a existência e perpetuação da pobreza como algo totalmente associado à taxa de preferência temporal dos indivíduos. Hoppe apóia a tese de Banfield quando reitera que o sociólogo

[...] identifica a preferência temporal como a causa subjacente para a persistente distinção entre classes sociais e culturas, em particular entre “classes altas” e “classes baixas”. Enquanto que os membros das classes altas são caracterizados pela orientação futura, auto-disciplina e disposição de prorrogar alguma gratificação presente em troca de uma maior gratificação no futuro, os membros das classes baixas são caracterizados por sua orientação ao presente e ao hedonismo.

[...] Fenômeno tipicamente associado com os membros das classes baixas, tal como, desintegração familiar, promiscuidade, doenças venéreas, alcoolismo, drogatização, violência, crime, alta mortalidade infantil e a baixa expectativa de vida, tudo tem sua causa comum na alta taxa de preferência temporal. A causa desses males não é o desemprego ou a baixa renda. Alternativamente, nota Banfield, tanto o desemprego quanto a persistente renda baixa são efeitos da alta taxa de preferência
temporal[8].

Temos aqui uma novidade para o pensamento econômico: a causa da pobreza ou da riqueza é definida pela preferência temporal dos agentes. Como reitera Hoppe, nem o desemprego ou a baixa renda são as reais causas dos males associados à pobreza, mas sim, a alta taxa de preferência temporal das pessoas, isto é, a excessiva orientação para o presente.

A questão que se impõe, no entanto, e que parece não ter sido inquirida por Hoppe, é: em que medida o meio e a cultura que determinada pessoa nasce influencia a sua taxa de preferência temporal? Em outras palavras: será que o desemprego, a falta de renda e as situações de destituição em que nasce determinada pessoa, não influenciam a constituição de sua preferência temporal?

Um exame mais acurado da situação pode nos revelar que a pessoa é formada também por uma complexa estrutura psicológica. Isto quer dizer que, de modo geral[9], o meio em que uma pessoa nasce acaba influenciando os seus valores e perspectivas de vida. Se aceitarmos estas assunções, a teoria da pobreza de Hoppe pode estar seriamente comprometida. Não se trata, porém, de rejeitar a idéia de que pessoas pobres possuem uma alta taxa de preferência temporal, mas sim de questionar a ordem causal entre pobreza e preferência temporal dos indivíduos. Se aceitarmos que o meio em que a pessoa nasce influencia a formação dos seus valores em relação à vida, temos de admitir que a alta preferência temporal é, de modo geral, o efeito de uma condição prévia do agente e não a “causa comum” da pobreza.

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[1] Ver “A Theory of Socialism and Capitalism” (1989).
[2] Ver “Democracy: The God That Failed” (2001).
[3] Desde Mises, os economistas austríacos utilizam o método da praxeologia para analisar a economia, e o axioma básico da praxeologia é que a ação humana consiste, sempre, em substituir um estado menos satisfatório por outro mais satisfatório de acordo com os gostos e preferências do indivíduo que age. A ação é determinada pelos componentes meios e fins. Isto é, toda ação é definida pelo uso de meios para atingir algum fim. A praxeologia e a economia, todavia, não se preocupam com o conteúdo dos fins ou dos meios pretendidos pelo agente homem, mas apenas pretendem extrair as leis econômicas por meio da dedução lógica a partir do axioma da ação humana. Ver Mises (1995, cap. 18 e 19) e Rothbard (2002, cap. 1 e 2). Vale também o excelente livro de introdução geral a teoria da escola austríaca de economia “Economia e Liberdade” (1997), de Ubiratan Iorio.
[4] Nosso ponto não está em se opor a teoria da preferência temporal.
[5] Hoppe (2001, p. 1)
[6] Com base nisto, Hoppe (2001) mostra que em comparação com as monarquias, a democracia incentivou ainda mais o aumento da taxa global de preferência temporal, condicionando a ação dos agentes para o presente e, portanto, afetando diretamente o processo econômico, político, cultural e social, provocando o que ele denominou de decadência civilizacional refletida na constatação empírica do aumento nos níveis de criminalidade, na degeneração dos padrões de conduta moral e o crescimento do mega-estado.
[7] Banfield, Edward. The Unheavenly City Revisited. Boston: Little, Brown, 1974.
[8] Hoppe (2001, p. 5-6, 6n).
[9] É indispensável inserir o “de modo geral”, pois é notório que existem exceções. Casos de pessoas pobres, porém previdentes, que se tornam ao longo do tempo mais ricas, e vice-versa. Pessoas ricas e imprevidentes que tornam-se pobres. Isto, no entanto, apenas serve para fortalecer a validade da regra geral.

17 de jul. de 2008

Ação Humana: Guia de Estudo

Está disponível on line o guia de estudos para o livro Ação Humana, com os primeiros 32 capítulos da obra munumental do Mises. Ver aqui.

11 de jul. de 2008

A Inflação perante as Keynesintrujices

O texto abaixo é uma reação a um debate neo-keynesiano (ver 1 e 2) proposto no blog do meu amigo Matheus, o Economia Prática.

É preciso me convencer que este ferramental keynesiano é útil para explicar a inflação. Primeiramente, um erro típico do keynesianismo é entender que inflação seja uma alta no "índice de preços". Inflação não é o "aumento generalizado nos preços", como dizem nas faculdades e manuais, mas sim a depreciação do poder de compra da unidade monetária - algo bem diverso, portanto. Dessa forma, outra questão surge: o que causa a depreciação no poder de compra da moeda, i.e., o que causa a inflação? Resposta: o aumento na oferta de unidades monetárias. E quem pode fazer isto: o Estado, que é o monopolista da impressão de dinheiro. Em um contexto de livre mercado, onde não há expansão artificial da moeda, um aumento de preços setorial (digamos nos alimentos) não implica inflação, mas sim em aumento RELATIVO no preço dos produtos alimentícios. Todos os demais produtos da economia permanecem os mesmos. Porém, agora, as pessoas demandarão mais recursos para adquirir a mesma quantia de alimentos que antes, o que necessariamente implicará uma redução de consumo dos outros bens, pressionando seus preços para baixo, havendo, por fim, um ajustamento que não implicará num "aumento generalizado nos preços", simplesmente porque não ocorreu um aumento na OFERTA DE MOEDA. Porém, se o Estado quiser "salvar" a economia (como rezam os keynesianos), mantendo a prosperidade através da emissão de moeda, isto acarretará em inflação. Caso haja continuidade desta política, necessariamente decorrerá um período de expansão artificial (pois o crescimento não é sustentado em poupança, mas em notas de dinheiro pintado). Cedo ou tarde, o governo terá que rever este artificialismo com o aumento dos juros para refrear o conjunto de investimentos insustentáveis, por causa da própria inflação, que passa a corroer o poder de compra da moeda. Uma situação como esta de caos monetário acaba por refletir em todos os setores "reais" da economia e leva-a, necessariamente, à depressão - o remédio inevitável e previsível para arrebatar a euforia artificial causada pela intervenção estatal no mercado de crédito - supostamente feita para “salvar” a economia daquele desajuste nos preços dos alimentos.

Isto é, a solução keynesiana é como uma droga que quanto mais se injere acreditando que manterá o drogado eufórico e numa boa, no fim das contas estará conduzindo ele para o colapso. A economia é como um organismo, e a injeção artificial de moeda no sistema tem os efeitos de uma droga. Por isso, aliás, que na década de 1970, a economia keynesiana entrou em colapso, pois se deparou com um dilema insolúvel para seus manuais. O mundo vivia uma inflação com desemprego galopante. Daí, o certo ressurgimento dos economistas liberais: o keynesianismo hegemônico falhou e não tinha respostas para enfrentar uma crise jamais imaginada por seus economistas; todavia, previstas pelos bons, porém desprezados economistas, como Ludwig Von Mises.