25 de mar. de 2007

Praxeologia e Economia
Por Murray N. Rothbard


Este texto é o apendix I do primeiro capítulo do seu livro Man, Economy and State, 1963. http://www.mises.org/rothbard/mes/chap1d.asp#APPENDIX_A

Neste capítulo fizemos uma exposição da parte da análise praxeológica – a análise que constitui o corpo da teoria econômica. Esta análise tem como sua premissa fundamental à existência da ação humana. Uma vez que é demonstrado que a ação humana é um atributo necessário da própria existência dos seres humanos, o resto da praxeologia (e sua subdivisão, a teoria econômica) consiste da elaboração das implicações lógicas do conceito de ação.

A análise econômica se constitui da seguinte maneira:

(1) Asserção A – axioma da ação
(2) Se A, então B; Se B, então C; Se C, então D, etc. – pelas leis da lógica.
(3) Portanto, assegura-se a verdade de B, C, D, etc.

É importante se dar conta que a economia não propõe qualquer lei sobre o conteúdo das metas do homem. O exemplo que nós pegamos, como o do sanduíche, chocolates, etc., são meramente instancias ilustrativas e não tem a pretensão de assegurar nada sobre o conteúdo da meta do homem em qualquer momento que seja. O conceito de ação envolve o uso de meios escassos para satisfazer as necessidades mais urgentes em determinado momento e as verdades da teoria econômica envolvem as relações formais entre fins e meios e não seus conteúdos específicos. O fim (meta) pretendido pelo homem pode ser egoísta ou altruísta, refinado ou vulgar. Pode preponderar a preferência por “bens materiais” ou conforto, como também, pode preferir uma vida ascética. A economia não está preocupada com o conteúdo dos fins almejados pelo homem, e suas leis se aplicam à todo e qualquer fim, independente de sua natureza.

A praxeologia, portanto, difere da psicologia e da filosofia da ética. Uma vez que essas três disciplinas lidam com as decisões subjetivas da mente humana, muitos observadores tem acreditado que elas são fundamentalmente idênticas. Isto não é verdade. A psicologia e a ética lidam com o conteúdo dos fins almejados pelo homem; essas disciplinas perguntam porquê o homem escolhe tais e tais fins, ou quais fins o homem deveria almejar. A praxeologia e a economia lidam com qualquer fim e com as implicações do fato dos homens terem fins e empregarem meios para atingi-los. A praxeologia e a economia são, portanto, disciplinas separadas e distintas das outras duas.

Assim sendo, todas as explicações da lei da utilidade marginal com base nos fundamentos da psicologia ou da fisiologia estão equivocadas. Por exemplo, muitos escritores têm baseado a lei da utilidade marginal sobre a alegada “lei da satisfação das necessidades”, de acordo com a qual, o homem, por exemplo, pode comer muitas bolas de sorvetes ao mesmo tempo, etc., e então fica satisfeito. Para a psicologia isso pode ser verdade ou não, mas para a economia é completamente irrelevante. Estes escritores equivocadamente concluem que, no início da oferta, uma segunda unidade pode ser mais útil que a primeira e, portanto, que a utilidade pode aumentar antes de começar a decrescer. Isto é completamente falacioso. A lei da utilidade marginal não depende das assunções psicológicas ou fisiológicas, ao invés disso, é baseada em verdades praxeológicas que revela que a primeira unidade de um bem será usada para satisfazer a necessidade mais urgente, a segunda unidade, para satisfazer a seguinte necessidade mais urgente etc. Deve-se lembrar que estas “unidades” devem ser constituídas de um padrão uniforme de utilidade.

Por exemplo, é equivocado argumentar o seguinte: Consideramos ovos o bem em questão. É possível que um homem precise de quatro ovos para fazer um bolo. Neste caso, o segundo ovo pode ser usado para um uso menos urgente que o primeiro ovo e o terceiro para um uso menos urgente que o segundo. Entretanto, uma vez que o quarto ovo é o que permite o bolo ser feito, caso contrário ele não estaria disponível, a utilidade marginal do quarto ovo é maior que a terceira unidade.

Este argumento negligencia o fato de que o “bem” não é a matéria física, mas qualquer material cujas unidades constituirão uma oferta de utilidades iguais. Uma vez que o quarto ovo não é igualmente útil e intercambiável com o primeiro ovo, os dois ovos não são unidades da mesma oferta e, portanto, a lei da utilidade marginal jamais se aplica ao caso. Para tratar ovos neste caso como unidades homogêneas de um bem, seria necessário considerar cada grupo de quatro ovos como uma unidade.

Em resumo, podemos descrever o relacionamento e as distinções entre a praxeologia e cada uma das outras disciplinas, da seguinte maneira:

- Porque o homem escholhe vários fins: psicologia
- Quais fins o homem deveria escolher: filosofia da ética
- Como usar os meios para chegar aos fins: tecnologia
- Quais fins os homens tem e estão usando e como o homem tem usado os meios para conseguir chegar aos fins: história
- As implicações formais do fato de que os homens usam meios para chegar aos vários fins escolhidos: praxeologia

Qual é o relacionamento entre praxeologia e a análise econômica? A economia é uma subdivisão da praxeologia, por sinal, a subdivisão mais desenvolvida. A praxeologia sendo a teoria geral da ação humana, a economia inclui a análise da ação de um individuo isolado (Economia Crusoé) e, especialmente elabora a análise das trocas econômicas (cataláxia). O restante da praxeologia é uma área inexplorada. Tentativas têm sido feitas com a intenção de formular uma teoria lógica da guerra e da ação violenta, e a violência na forma de governo tem sido tratada pela filosofia política e pela praxeologia identificando os efeitos da intervenção estatal no mercado. Uma teoria de jogos foi elaborada e foram feitos começos interessantes em uma análise lógica do voto.

A sugestão que tem sido feita é que, uma vez que a praxeologia e a economia constituem-se em cadeias lógicas de raciocínio baseado em algumas premissas universalmente conhecidas, para ela ser realmente científica ela deveria ser elaborada de acordo com os símbolos da lógica matemática. Isto representa uma curiosa má concepção do papel da lógica matemática ou da “logística”[1]. Em primeiro lugar, é a grande qualidade das proposições verbais que cada uma é significante. Por outro lado, símbolos algébricos e lógicos, como utilizados na logística, não contem em si mesmo significado. A praxeologia afirma que o axioma da ação é verdadeiro e a partir daí são deduzidas pelas regras da inferência lógica, todas as proposições econômicas, cada uma das quais é verbal e portadora de significado. Se a ordem logística fosse usada, cada proposição não seria significante. A logística, ao contrário, é de longe mais relacionada às ciências físicas, onde, em contraste à ciência da ação humana, as conclusões são conhecidas e não os axiomas. Nas ciências físicas, as premissas são meramente hipotéticas, e as conclusões lógicas são extraídas a partir delas. Nestes casos, é em vão ter proposições revestidas de significado em cada passo do caminho, pois assim a linguagem simbólica e matemática é mais útil.

Simplesmente desenvolver verbalmente a economia depois traduzir em símbolos lógicos e finalmente re-traduzir as proposições para o inglês (ou português...), não faz sentido e viola o princípio científico fundamental da Occam’s razor, que invoca a maior simplicidade possível na ciência e o afastamento da multiplicação desnecessária de entidades ou processos.

Contrário ao que se poderia acreditar, o uso da lógica verbal não é inferior à logística. Ao contrário, a logística é meramente um meio auxiliar baseado na lógica verbal. Uma vez que a lógica formal trata com a necessária e fundamental lei do pensamento, que pode ser expressa verbalmente, a logística é apenas um sistema simbólico cujos fundamentos estão na lógica verbal formal. Assim, a praxeologia e a economia não precisam ser apologéticas num sentido restrito — a base fundamental da lógica simbólica, e significativa a cada passo do seu curso.
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[1] Logística no sentido aqui empregado por Rothbard é o termo clássico da filosofia grega logistikos que é a habilidade de calcular ou lógica simbólica. Atualmente o termo logística está totalmente vinculado à técnica de transporte e distribuição, por isso alerto os leitores que neste texto a palavra “logística” não tem nada a ver com isso. [N.T].

"Man, Economy and State" está integralmente disponível on-line aqui.

9 de mar. de 2007

Por que sou libertário

Em artigo publicado no Jornal do Brasil, dia 08/03/07, intitulado Por que não sou liberal, Olavo de Carvalho justifica sua posição conservadora ao tempo em que diferencia esta da posição liberal. Tomo o referido artigo como estímulo e provocação para justificar porque não sou liberal nem conservador, mas sim, libertário. Antes, porém, é necessário esclarecer os conceitos fundamentais para o entendimento da coisa.

Para Olavo o conservador defende a liberdade de mercado porque ela promove o Estado de direito, enquanto que o liberal defende o Estado de Direito porque ele promove a liberdade de mercado. O libertário, contrariamente, rejeita ambas as posições. O libertário é aquele indivíduo que é invariavelmente contra toda e qualquer forma de agressão à vida e à propriedade de outro indivíduo. Esse é o princípio básico e fundador do credo libertário, chamado por Rothbard de “teorema da não agressão”.

Então é imperioso que entendamos o que é o Estado, esta entidade amplamente aceita tanto pelos liberais quanto pelos conservadores. O Estado é uma entidade que detém o monopólio sobre a oferta de determinados serviços (geralmente se reconhece que o Estado deva ofertar, no mínimo, serviços de segurança, justiça e ordem) sobre um determinado território. Outra característica inédita é que o Estado obtém sua renda através dos impostos e não das relações voluntárias e contratuais como ocorre no mercado.

Assim sendo, o Estado é por natureza o perfeito predador social, uma entidade que se caracteriza pela agressão e pelo confisco da propriedade alheia. Por isso, é logicamente impossível argumentar em favor da propriedade privada, do livre mercado e da não agressão aos demais, quando, em meio a isso, não se abstrai o Estado. Liberdade e Estado são incompatíveis. Durante séculos o Estado (através dos membros do governo) tem produzido assassinatos em massa que chamou de “guerras”. Por séculos o Estado tem escravizado pessoas em seus exércitos e chamou isso de “conscrição” para o “serviço nacional”. Por séculos o Estado tem roubado as pessoas e chamou isso de “impostos”.

Contrariamente, a questão da religião e dos valores morais tradicionais, tão caro aos conservadores, estão intimamente associados ao credo libertário, porém, consignado ao direito de propriedade privada. Ao dizer que a tradição judaico-cristã fundamentou a liberdade de mercado e o estado de direito, Olavo de Carvalho não falou para que serve o Estado, ou não se deu conta que o Estado vive exclusivamente da agressão e do roubo, atribuição não somente negada mas criminalizada à todos os demais indivíduos e organizações. Essa ética jamais pode derivar do cristianismo.

O direito à vida e, consequentemente, à propriedade privada é antes de tudo um direito natural e para isso não precisa do Estado. Aliás, o Estado é a personificação cabal da própria negação desde direito. Pois, como pode uma entidade criada para proteger a propriedade privada viver exatamente da agressão à propriedade? Ora, se qualquer indivíduo ou organização ousar confiscar ou tributar a propriedade alheia, imediatamente se enquadrará no crime de roubo.

Outro ponto fundamental é o monopólio da justiça que o Estado se outorga. A propensão natural do ser humano é buscar sempre o seu auto-interesse. Assim sendo, a crítica libertária mostra que os legisladores (que são membros do próprio aparato estatal e também são seres humanos) sempre tenderão fazer leis em favor do próprio Estado. A expansão do poder estatal ao longo da história foi uma conseqüência inevitável de sua própria natureza. O questionamento libertário é o fato paradoxal que uma entidade com o monopólio exclusivo do poder de última decisão em caso de conflito (justiça) e a exclusividade de obter sua renda através do roubo seja necessária, ou melhor, seja ideal para a justiça e a segurança.

Sinto-me incapaz de seguir o ideal conservador ou liberal, ou qualquer outro ideal que requeira o Estado como protetor, organizador e fornecedor da justiça ou de qualquer outro bem ou serviço que se queira. Em poucas palavras, prefiro a ética libertária com suas naturais imperfeições à ética da agressão e do roubo oficializado.
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Para uma análise profunda sobre estes e outros tópicos da fragilidade do ideal conservador e liberal e da alternativa libertária, vide:

1. Hoppe, Hans-Hermann. Democracy: The God That Failed. Transaction Publishers, 2001.
2. Hoppe, Hans-Hermann. Natural Elites, Intellectuals, and the State. (
http://www.mises.org/story/2214)
3. Rothbard, Murray N. For a New Liberty: The Libertarian Manifesto. Macmillan Publishing, 1978.
4. Rothbard, Murray N. Robert Nozick and the Immaculate Conception of the State. (
http://www.mises.org/journals/jls/1_1/1_1_6.pdf)
5. Osterfeld, David. Anarchism and the Public Goods Issue: Law, Courts, and the Police. (
http://www.mises.org/journals/jls/9_1/9_1_3.pdf)
6. E, por fim, a indispensável compilação de livros e papers feita por Hoppe
http://www.lewrockwell.com/hoppe/hoppe5.html