31 de jul. de 2007

Os Pobres numa Sociedade Livre

Quando alguém defende a não intervenção do Estado em uma discussão, cedo ou tarde deverá enfrentar a insistente questão, geralmente lançada com acusações de egoísmo e insensibilidade: “mas se o Estado não garantir serviços mínimos, o que acontecerá com os pobres?”

Antes de tudo, o liberalismo não é uma teoria moral, mas uma teoria da justiça e, enquanto tal versa unicamente sobre o uso legítimo da violência. Ao denunciar a redistribuição da riqueza e os “direitos” sociais, não estamos dizendo nada acerca dos benefícios ou prejuízos da generosidade ou da solidariedade, mas mostrando a injustiça em confiscar a propriedade de alguns para benefício de outros, de forçar alguns a servir outros. O liberalismo condena o roubo, mas em absoluto corresponde dizer aos homens se devem ser egoístas ou altruístas.

Dito isto, como aponta Roderick Long, “uma pessoa faminta necessita algo para comer, e ninguém pode comer um direito. Com base na generosidade e na compaixão, portanto, um sistema que garanta um direito à alimentação, mas não seja muito eficiente em prover alimento, seguramente seja menos desejável que um sistema que forneça alimento de forma sustentada mas não reconheça nenhum direito à alimentação”. É o mercado e não o Estado que melhor provê alimentos. A solução da pobreza não passa pelas medidas socialistas que convertem em pobres os que não eram e que impedem os pobres de deixar de ser.

Interessante notar: se nenhum indivíduo numa sociedade livre está disposto a socorrer os pobres, estes passarão fome. Mas num contexto estatista, o político sem o mínimo apoio social, não fará absolutamente nada em favor do necessitado. Em caso da maioria dos cidadãos rejeitar ajuda ao pobre, o político tampouco fará algo, mas a minoria solidária, todavia, pode alimentá-lo mediante a iniciativa privada. Em caso da maioria das pessoas serem solidárias, o político assistirá os pobres, mas a cidadania por si mesma haverá ajudado igualmente. Conclusão: o político sobra.

Em uma sociedade livre não haveria leis de salário mínimo ou regulações trabalhistas que ao elevar os custos de contratação condenam ao desemprego uma parte da população. Nem se requereria permissão para iniciar um negócio nem se emitiriam licenças que restringissem a concorrência e encarecem os serviços (a saúde, por exemplo). O custo de habitação, de energia, da comida etc. cairia se o Estado não intervisse nestes setores, o que beneficiaria as classes mais humildes. Os efeitos assimétricos da expansão creditícia que afetam especialmente os pobres (pois compram a preços mais altos antes que tenha se elevado seus salários) não teriam lugar se houvesse liberdade monetária. Por outro lado, a caridade privada é muito mais eficiente que a pública, pois os doadores podem perder a confiança nas organizações que julgarem incompetentes, enquanto que o Estado se nutre coercitivamente e nele não há incentivos para proceder com eficácia e honradez. Ademais, como conseqüência de uma maior prosperidade e emprego e uma taxa menor ou inexistente de impostos, as pessoas possuiriam mais recursos para fazer caridade.

Portanto, em uma sociedade livre haveria menos pobres, a caridade chegaria a seu destino numa maior proporção e as pessoas possuiriam mais dinheiro para fazer doações. Assim, numa discussão nós mesmos é que devemos perguntar: “na ausência de uma irrestrita liberdade de mercado, o que acontecerá com os pobres?”

Por Albert Esplugas Boter do site juandemariana.org

Utilitarismo e Jusnaturalismo

O fundamento do liberalismo pode consistir em dois pontos de vistas: o utilitarista e o jusnaturalista. O utilitarismo é um conceito basicamente econômico, enquanto que o jusnaturalismo, ou direito natural, é uma idéia ética. Trata-se de duas perspectivas que às vezes parecem dispares e independentes, mas bem entendidas, estão estreitamente relacionadas e são complementares. Não tem sentido separá-las. Não se trata de duas alternativas excludentes entre as quais se deve escolher apenas uma. O liberalismo coerente é jusnaturalista e utilitarista. O livre mercado é moralmente superior e a justiça é eficiente. Não se trata de que a liberdade individual de escolher importe mais ou menos que a eficiência, porque ambas são inseparáveis.

O utilitarismo fala de eficiência referida a fins, meios, valorações e preferências na ação humana. O utilitarista indica que o sistema econômico liberal produz e distribui mais riquezas, otimiza a alocação e a utilização dos recursos escassos e coordena de forma espontânea os desejos e capacidades dos participantes no mercado. A ciência econômica ensina que o livre mercado é a única forma racional de aproveitar o conhecimento disperso, prático e tácito dos agentes econômicos. O socialismo é impossível devido às limitações cognitivas dos seres humanos: o cálculo econômico racional não pode realizar-se sem propriedade privada e preços de intercambio. As soluções intermediárias intervencionistas são instáveis e podem derivas para o totalitarismo. O mercado é muito mais eficiente e beneficioso que o Estado centralizador e planificador.

O jusnaturalismo fala de justiça referida aos direitos de propriedade, agressão, força, violência e voluntariedade das relações humanas. O jusnaturalista mostra que a única norma ética baseada na igualdade essência dos seres humanos que pode ser universal e simétrica é o respeito aos direitos de propriedade de cada pessoa sobre si própria e sobre aqueles bens que coloniza (apropria antes que qualquer outra pessoa), cria ou troca livremente com os demais. Liberdade e direito de propriedade são equivalentes. A sociedade livre está sustentada no princípio da não agressão: só é legitimo usar a força para defender os direitos de propriedade. O socialismo é a coação sistemática contra a ação humana empreendedora e o Estado é a institucionalização da violência. A lei ilegítima do Estado proíbe ações e relações pacíficas, voluntárias e benéficas enquanto impõe ações e relações não desejadas, agressivas e prejudiciais. Na sociedade livre cada indivíduo decide e escolhe por si mesmo; em uma sociedade coletivista os governantes escolhem para cada um.

A lei natural não é um resíduo metafísico das idéias religiosas reacionárias do direito divino. Os direitos individuais da ética da liberdade são os que se correspondem com a natureza dos seres humanos e permitem seu desenvolvimento e progresso. Os direitos são conceitos abstratos que servem como ferramentas úteis para evitar e resolver conflitos, não são resultados de inúteis elucubrações dissociadas da realidade. As diferenças éticas ou sistemas normativos devem estudar-se, ademais por si cumprem uma série de condições teóricas por suas conseqüências e funcionamento na prática para o qual é necessário ter conhecimentos econômicos ou praxeológicos acerca do comportamento humano. Não se requer onisciência, não faz falta conhecer as variáveis preferências particulares, apenas se estas podem se realizar ou não, se são respeitadas ou violadas, com o qual as pessoas são beneficiadas ou prejudicadas (se promove o bem estar ou o mal estar).

Uma concepção exclusivamente utilitarista da liberdade e do mercado é perigosa. A definição de eficiência como medida do aproveitamento dos fatores de produção de um bem é demasiado estreita e limitada. A eficiência é possível na produção de bens e de males: um mercado negro de assassinos, a concorrência violenta entre matadores por parasitar suas vítimas de forma exclusiva. Uma pessoa pode desejar o mal a outra, ou querer obrigar o outro, ou sentir-se amargado por comportamentos alheios perfeitamente pacíficos. Proibir as agressões supõe uma perda de utilidade para quem deseja agredir. O direito de propriedade indica quais valorações são relevantes a respeito a qualquer entidade (a dos proprietários envolvidos) e quais não são (a de todos os demais). É impossível medir, comparar ou agregar utilidades para tentar maximizar um inexistente “bem-estar social”. Os pressupostos da análise de custos e benefícios sociais são falácias que servem apenas para justificar as atividades ilegítimas dos políticos.

Dentro da tradição da Escola Austríaca de Economia, o grande Ludwig von Mises estudou a liberdade desde o ponto de vista do utilitarismo. O mestre foi superado por seu aluno Murray Rothbard, que integrou a perspectiva econômica com as idéias éticas. Atualmente muitos economistas mantêm a posição econômica (utilitária) da liberdade, isso porque possuem uma noção difusa e mesmo confusa da ética e da política e porque consideram que os direitos humanos são os que equivocadamente se interpretam em sua Declaração Universal.

Por Francisco Capella do site liberalismo.org