29 de out. de 2005

A TEORIA AUSTRÍACA DO CICLO ECONÔMICO

1 O Surgimento da Teoria

A teoria austríaca do ciclo econômico surgiu com a obra Theory of Money and Credit (1912) de Ludwig von Mises. Foi a primeira exposição a respeito dos ciclos econômicos estudada pelos economistas que seguiram a linha de pensamento iniciada por Carl Menger, na Áustria. Depois disso, um aluno do Seminário de Economia desenvolvido por von Mises na Câmara de Comércio da Áustria, F. A. von Hayek, deu procedimento ao que seu professor havia esboçado em seu primeiro trabalho. Depois das contribuições de Hayek outros economistas austríacos contribuíram ao estudo dos ciclos, a exemplo de Richard von Strigl em Capital & Production, mas Mises retomou o tema no que viria a ser a sua grande obra, o seu livro Human Action (Ação Humana), publicado em inglês em 1949, porém baseado em um trabalho em alemão, publicado em 1940. Depois disto, o americano Murray N. Rothbard, destacado aluno e seguidor de von Mises, quando este se mudou para os EUA, viria aplicar a teoria austríaca dos ciclos para explicar a grande depressão de 1929 nos EUA em seu clássico America’s Great Depression, de 1963. Atualmente, a tradição austríaca segue com os estudos de vários economistas, onde cumpre sublinhar o trabalho desenvolvido pelo professor Roger Garrison da Universidade de Auburn, no estado do Alabama, EUA.

Feita esta rápida apresentação, salienta-se que o presente capítulo se preocupará em dissertar apenas sobre a contribuição à teoria dos ciclos econômicos feitas por Ludwig von Mises e F. A. Hayek, os precursores da teoria e até hoje seus maiores expoentes.

1.2 Os Elementos da Teoria

A teoria austríaca dos ciclos é uma teoria eminentemente monetária. Mises ligou a teoria da moeda com o estudo do mercado, a catalaxia[1]. Até então a teoria monetária era uma área específica de estudos, praticamente desligada da teoria econômica. Reunindo a teoria da utilidade marginal de Menger, a teoria do capital de Böhm-Bawerk e a teoria da moeda de Wicksell, Mises integrou a teoria monetária dentro deste todo maior, a economia de mercado. Como salienta o próprio Rothbard (2000): “Study of business cycles must be based upon a satisfactory cycle theory.[…] A cycle takes place in the economic world, and therefore usable cycle theory must be integrated with general economic theory”[2].

1.3 O Juro

Ludwig von Mises herdou do austríaco Böhm-Bawerk a contribuição que este fez a respeito do fenômeno do juro (embora tenha percebido que o processo se dava ao inverso do que promulgou Böhm-Bawerk) quando ele derivou que o juro é um fenômeno praxeológico, ou seja, é um fenômeno inerente à ação humana condicionada à preferência temporal. A descoberta de Böhm-Bawerk foi que o fenômeno do juro originário é representado pela diferença de valoração que um indivíduo dá a determinado bem no presente e no futuro. Nas palavras de Mises (1995):

“Juro originário é a relação entre o valor atribuído à satisfação de uma necessidade no futuro imediato e o valor atribuído a sua satisfação em períodos mais distantes do tempo. Manifesta-se na economia de mercado pelo menor valor dos bens futuros em relação aos bens presentes. É uma relação entre preços da mesma mercadoria, e não um preço em si mesmo” (p. 532).

Desta forma, o juro representa um guia dos homens de negócios, no sentido de que ele revela a real preferência dos consumidores se estes estão tendendo a consumir mais bens no presente ou no futuro. Caso o estejam preferindo consumir mais no futuro, o juro tenderá a ser relativamente baixo, e vice-versa, influenciando o grau de investimentos e a estrutura produtiva de uma economia.

1.4 A Expansão Monetária

Para Mises e os economistas da Escola Austríaca o fenômeno do ciclo econômico não pode ocorrer numa economia livre, visto que nela o fenômeno dos juros e dos preços estão permanentemente sinalizando tanto o grau de escassez e utilidade dos bens e serviços, quanto a preferência temporal, que, economicamente, passa a ser representada pela quantidade de poupança disponível. Desta forma, o nível de investimentos, fora os fatores institucionais, está em função da poupança disponível, tendo os juros (preferência temporal) como “medidor” desta disponibilidade.

Assim, Mises inferiu que o fenômeno das flutuações econômicas não poderia ser alegado através de argumentos como a “inerência do sistema de livre mercado”, mas sim, de algo externo a ele.

Posto que o juro é um fenômeno cataláctico e não monetário, Mises percebeu que quem gerava as flutuações econômicas eram os governos e seu banco central, através da expansão monetária.

Um aspecto fundamental da teoria austríaca é que ela não considera a situação de pleno emprego na economia e nem a de equilíbrio. Ela rejeita ambas, e desde Mises, acredita-se que a economia é um processo, marcado pela mudança constante, sendo impossível que ela atinja algum estágio tal como o pleno emprego ou o equilíbrio. Contudo, a teoria austríaca mostra que a economia tende ao equilíbrio, porém, nunca o alcança.

Deste modo, Mises enfatizou que um dos principais instrumentos que o governo dispõe para expandir a oferta de moeda é através da manipulação da taxa de juros, via Banco Central, ou mesmo, pela pura e simples impressão de notas fiduciárias pelas autoridades monetárias, preponderante nos dias de hoje, fenômeno conhecido como "poupança forçada".

1.5 O Ciclo Econômico

Uma vez que o governo baixe as taxas de juros a níveis que não condizem com a oferta real de poupança, as autoridades estarão emitindo sinais para a economia como se o estoque de poupança tivesse aumentado. Assim, o crédito fica mais barato, e este sinal que os juros passam a emitir é um importante orientador do nível de investimento na economia. Com o dinheiro abundante no mercado, graças à queda artificial na taxa de juros promovida pelas autoridades monetárias, os empresários percebem que projetos de investimentos que antes não eram lucrativos, agora passam a ser. Em outras palavras, há uma sensação de que a preferência temporal dos agentes econômicos aumentou, i. e., juros diminuíram.

Neste momento tem-se que a expansão de crédito estimula os homens de negócios a empreenderem novos projetos de investimentos. Ocorre uma ampliação da capacidade produtiva da economia. Por conseqüência, mais fatores de produção são alocados e mais emprego é gerado. É a primeira fase do ciclo econômico, a fase do boom no setor de bens de capital.

Mas uma queda na taxa de juro decorrente de uma expansão do crédito falseia o cálculo empresarial. Embora a quantidade de bens de capital disponíveis não tenha aumentado, o cálculo emprega parâmetros que só seriam utilizáveis se esse aumento tivesse ocorrido. O resultado, portanto, é enganador. Esses cálculos fazem com que alguns projetos pareçam viáveis e exeqüíveis, quando um cálculo correto, baseado numa taxa de juro não deformada pela expansão de crédito, mostraria a sua inviabilidade. Os empresários se lançam na realização desses projetos; a atividade empresarial fica estimulada. Tem início um boom (MISES, 1995, p. 558).

Segundo a teoria austríaca, o primeiro setor da economia a se lançar em novos projetos de investimentos, devido à expansão creditícia, é o de bens de capital. São os projetos de longo prazo (long-term) que, antes da expansão monetária, se mostravam inviáveis. Eles não correspondiam às preferências mais urgentes dos consumidores. Assim, a expansão do crédito provocada pela queda artificial na taxa de juros, provoca, antes de tudo, um estímulo nos setores de bens de capital.

As condições tecnológicas obrigam a que a expansão da produção só tenha início após a expansão das instalações que produzem bens de uma ordem mais afastada dos bens de consumo acabados. Para expandir a produção de calçados, roupas, automóveis, móveis, casas, é preciso, primeiro, expandir a produção de ferro, aço, cobre e outros bens do mesmo gênero (MISES, 1995, p. 564).

Mises coloca a hipótese de que a expansão de crédito tenha se dado de uma só vez, sem repetição. Então, se a expansão monetária consistir de uma única injeção, ele admite que o boom não poderá durar muito tempo e a economia logo volta ao seu nível natural. Neste caso, tem-se que:

Os empresários não conseguem obter os recursos de que necessitam para dar continuidade aos seus projetos. A taxa bruta de juro do mercado aumenta porque a maior demanda por empréstimos não é contrabalançada por um correspondente aumento na quantidade de moeda disponível para empréstimos. Os preços das mercadorias caem porque alguns empresários vendem seus estoques e outros se abstêm de comprar. A atividade empresarial se contrai novamente. A alta termina porque as forças que a provocaram deixaram de atuar. A quantidade adicional de crédito circulante esgotou a sua capacidade de influir sobre os preços e salários. Os preços, os salários e os vários encaixes individuais ajustam-se à nova relação monetária; deslocam-se em direção ao estado final que correspondente a essa nova relação monetária, sem serem desviados por novas injeções de meios fiduciários adicionais (MISES, 1995, p. 558).

Mas, se o governo levar a cabo a expansão de crédito de forma persistente e cada vez mais intensa, o aumento do emprego dos fatores nas indústrias de bens de capital provocará uma maior demanda por trabalho, trazendo consigo um aumento no nível de salários. O aumento dos salários dos trabalhadores das indústrias de bens de capital, bem como o aumento da renda dos próprios donos dos fatores (empresários, fazendeiros, industriais) pressionará para cima a demanda por bens finais (bens de consumo) antes mesmo que estes setores tivessem aumentado a sua produção. Este movimento, por sua vez, pressionará para cima os preços dos bens de consumo finais. É a segunda fase do boom, caracterizada pelo aumento da demanda por bens finais e a correspondente alta destes preços, visto que, como não houve aumento na propensão a poupar, a relação consumo/poupança crescerá.

A terceira fase do ciclo tem início no momento em que o aumento dos gastos em bens de consumo que agora se verifica de maneira cada vez mais forte termina criando um “cabo-de-guerra” entre os setores produtores desses bens e as indústrias, ainda em expansão, de bens de capital.

Esta disputa tem o efeito de aumentar tanto os preços dos bens de capital quanto a taxa de juros e, como as rendas são maiores nos estágios de bens de capital do que nos de bens de consumo (pois a expansão dos primeiros iniciou-se antes que a dos segundos), ocorrerá uma escassez de capital nas industrias cuja expansão somente agora se inicia (IORIO, 1998, p. 148).


Trata-se de uma competição por fundos de empréstimo que está sendo travada em todos os estágios de produção que pressionará as taxas de juros pra cima, provocando uma contração no crédito e no nível de investimentos.

Caso as autoridades monetárias julgarem importante seguir com a expansão desenfreada de moeda, com o intuito de evitar o efeito recessivo, decorrerá que o processo inflacionário se acelerará. Porém, somente até o ponto em que um número cada vez maior de pessoas começa se dar conta da queda do poder aquisitivo da unidade monetária e, por extensão, começam a agir numa busca desesperada por ativos reais, culminando no colapso do sistema monetário. Assim, chega-se a quarta fase do ciclo: a recessão, ou, na pior das hipóteses, caso o governo opte por insistir com a expansão monetária, o colapso do sistema.

Para aqueles que não estão engajados em negócios nem familiarizados com as operações de bolsa de valores, os principais veículos de poupança são a caderneta de poupança, a compra de títulos e de seguro de vida. Todos estes tipos de poupança são prejudicados pela inflação. Assim sendo, desencoraja-se a poupança e incentiva-se o gasto extravagante. A reação final do público, a “fuga para valores reais”, é uma tentativa desesperada de salvar alguma coisa da ruína inevitável (MISES, 1995, p. 554).

A quinta e última fase do ciclo se dá quando a contração econômica ou o colapso do sistema faz com que a taxa de juros reflita a real disponibilidade de poupança da economia, ou seja, exerça o seu papel de indicar a preferência tempo, através das demissões em massa, de projetos inacabados que se revelaram anti-econômicos e de falências em todo o tecido do sistema produtivo.

Segundo a Escola Austríaca, a depressão econômica é o ajuste inevitável que o sistema econômico passa em virtude de um boom econômico promovido artificialmente pelas autoridades monetárias, através da expansão do crédito.

1.6 Considerações Finais

Mises adverte que “a essência da expansão de crédito não é o excesso de investimento; é o investimento no setor errado, isto é, o mau investimento” (1995, p.563).

Costuma-se descrever o boom como um período de excesso de investimento. Entretanto, só é possível haver investimento adicional na medida em que haja uma quantidade adicional disponível de bens de capital. Como, exceção feita à poupança forçada, o período de alta em si não resulta numa restrição, mas, ao contrário, num aumento do consumo, é impossível que por seu intermédio surjam os bens de capital necessários aos novos investimentos (MISES, 1995, p. 563).

Mises ainda diz que numa economia de livre mercado não ocorre o tal fenômeno de superprodução alegado tanto pelos marxistas quanto por Keynes e seus seguidores. A teoria austríaca ensina que se houver alguma mudança nas preferências dos consumidores ou mesmo um aprimoramento tecnológico, se estes não forem seguidos de expansão monetária artificial, o que ocorrerá será uma queda no consumo de determinados bens e um aumento no consumo dos bens em que os consumidores passaram a preferir ou aqueles que as novas invenções tecnológicas disponibilizaram. Mises assume que pode, neste caso, haver alguma quebra de empresas específicas, mas não ocorre o que se entende por crise de superprodução ou depressão generalizada, posto que as perdas de um lado serão contrabalançadas pelos ganhos das empresas que atraíram a demanda dos consumidores.

Diante do exposto, verifica-se que, a teoria austríaca do ciclo econômico é uma teoria do boom artificial e, mostra, para além de qualquer dúvida, que toda e qualquer depressão econômica só pode ser provocada pelas autoridades governamentais, através da expansão do crédito, jamais pelas "livres forças de mercado".

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[1]Catalaxia significa a economia de mercado no sentido mais puro do termo (Mises, 1995).

[2]O estudo dos ciclos econômicos deve ser baseado em uma satisfatória teoria do ciclo.[...] Um ciclo acontece no mundo econômico e, por isto, uma teoria do ciclo útil deve ser integrada com a teoria econômica geral”. (tradução livre do autor).

Referências:

GARRISON, Roger W. Business Cycles: Austrian Approach. Howard Vane and Brian Snowdon, eds. An Encyclopedia of Macroeconomics Aldershot: Edward Elgar, 2002. Disponível em: <http://www.auburn.edu/~garriro/c6abc.htm.>. Acesso em: 15 Jul. 2005.

IORIO, Ubiratan J. Economia e Liberdade: A Escola Austríaca e a Economia Brasileira. 2. ed. (atual. e ampl.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 240 p.

MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um tratado de Economia. Tradução de Donald Stewart Jr. 2. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995. 890 p.

MISES, Ludwig von et al, The Austrian Theory of the Trade Cycle and other essays. Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 1996. Richard M. (Comp.). Disponível em: <http://www.mises.org/tradcycl.asp.>. Acesso em: 26 Abr. 2005

ROTHBARD, Murray N. America’s Great Depression. Auburn: The Ludwig von Mises Institute, 2000. Disponível em: <http://www.mises.org/rothbard/agd.pdf.>. Acesso em: 02 Mai. 2005.

ROTHBARD, Murray N. O Essencial von Mises. Tradução de Maria Luiza Borges. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympo: Instituto Liberal, 1984. 54 p. (Série Pensamento Liberal, n. 1).

18 de out. de 2005

Livros On-Line
A Foundation for Economic Education disponibiliza mais livros on-line! Maravilha! Consta o inédito The Free market and its Enemies de Ludwig von Mises. Há também Bastiat, Albert Jay Nock, Hazlitt entre outros teóricos da liberdade. Vale a pena conferir aqui a lista dos livros disponíveis em PDF, gratuitamente.

14 de out. de 2005

Arthur Seldon (1916-2005)
Dia 11 faleceu o economista Arthur Seldon, fundador do Institute of Economic Affairs, um "think tank" conservador com sede em Londres. Seldon publicou 28 livros e monografias, incluindo o "Everyman's Dictionary of Economics" (com F.G. Pennance) e "Capitalism". Seldon estudou na London School of Economics, onde conheceu Arnold Plant e Lionel Robbins, bem como Friedrich Hayek, que o introduziu na Escola Austríaca.
Que eu saiba, há no Brasil apenas dois livros dele publicados, o Dilema da Democracia: a Economia Política do Excesso de Governo e Falhas de Governo, ambos pelo IL-RJ. Certa vez comprei o primeiro, infelizmente ainda não tive tempo de ler. Como tantos outros, permanece aguardando a sua hora...
Perdemos o pensador, mas ficamos com os seus ensinamentos:
"Os indivíduos, nas famílias e nas empresas, trocam direitos de propriedade através do sistema de preços, em mercados, que coordenam bilhões de transações espontaneamente. Os indivíduos podem agir movidos pelo interesse próprio, mas a consequência é usualmente o interesse geral, porque as transacções não ocorrem normalmente a não ser que beneficiem ambas (ou todas) as partes. Nem o interesse próprio significa egoísmo: as pessoas agem por interesse próprio porque é o único que conhecem e que estão habilitadas a avaliar. Eles não podem conhecer os interesses dos outros melhor do que eles próprios - essa é a profissão dos políticos."
"... as quatro tarefas dos sistemas econômicos em qualquer parte. Primeiro, eles devem desenvolver técnicas para avaliação de recursos escassos; segundo, devem desenvolver incentivos para concentrar nos métodos mais produtivos; terceiro, devem conceber os meios de agregar e distribuir informação sobre a eficiência relativa de usos alternativos; quarto, devem criar princípios de alocação da produção aos usos mais urgentes ou altamente avaliados. Ora, estes são precisamente os métodos e instrumentos desenvolvidos pelo mercado."

Capitalism (Oxford: Blackwell, 1991)