25 de set. de 2004

A Praxeologia e a Ciência Econômica

“Não há uma teoria econômica específica para cada país ou região; o que existe é uma teoria econômica epistemologicamente correta, que é a que se constrói a partir do estudo da ação humana.”
Ubiratan Iorio

Introdução

Neste artigo pretendo fazer um resumo acerca do método na ciência econômica descoberto pelo economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973). Esse método foi denominado praxeologia, que significa teoria geral da ação humana. Segundo Mises, é através do estudo da ação humana que se alcança a verdade na ciência econômica. A praxeologia oferece alguns axiomas irredutíveis como, por exemplo, de que o homem age sempre com a intenção de aumentar o seu conforto ou reduzir seu desconforto. Importante frisar que, como ação, no sentido que lhe dá von Mises, significa qualquer ato deliberado, que tanto pode ser fazer, como deixar de fazer alguma coisa.

A praxeologia

Ludwig von Mises, economista da terceira geração da Escola Austríaca de Economia, concebeu um método de investigar os problemas de ordem econômica, bem como, de averigua-los, que pode-se dizer com tranqüilidade que ele foi o economista que desenvolveu o verdadeiro método da ciência econômica ou da economia política.

O postulado da praxeologia, ou seja, da ação humana, supre todas as questões que se impõe no plano da ação individual ao longo do tempo e em qualquer lugar, isto é, da economia. Pois uma ciência só é verdadeira quando seu método é válido em qualquer época do tempo e em qualquer lugar do espaço. A isso se denomina universalidade da ciência.

Para entender a economia e os efeitos de uma determinada ação, seja ela governamental, seja do setor privado, ou mesmo da própria natureza, o postulado da ação desenvolvido por Mises é uma categoria econômica impossível de ser refutada. Esse importante axioma reconhece que os homens agem sempre com o propósito de diminuir seu desconforto, levando em conta seus valores que são individuais, subjetivos e intransferíveis. Assim, a ciência econômica nos diz, apenas, que as pessoas preferem mais utilidade do que menos (mais dinheiro, do que menos; preferem a saúde à doença; preços mais baixos, do que mais altos etc. etc.).

O Mercado e o Estado

Quando se verifica que o indivíduo age sempre com o propósito de sair de um estado menos satisfatório para outro estado mais satisfatório, fica fácil de entender que o mercado, como falou o filósofo Olavo de Carvalho, não é uma lei que um governante baixou e que outro possa revogar, mas é uma dimensão da existência humana. Assim, a partir do momento em que os indivíduos agem, estão dados os estímulos para a produção dos bens e serviços que os consumidores desejam. Este sistema permitirá que as pessoas percebam que há oportunidades de ganho no mercado e passarão a produzir determinados bens, precisamente aqueles que os consumidores julgarem mais importantes, isto é, em que estão dispostos a pagar um preço. Dessa forma, só no livre mercado ocorrem as melhores condições para a mais apropriada alocação dos escassos recursos econômicos.

O problema da intervenção do Estado fica muito claro quando se analisa a economia a partir do método praxeológico, terreno em que as falsas teorias não dão conta, quando, por exemplo, acreditam que a economia está ou pode atingir o equilíbrio geral, ou mesmo que o mercado é perfeito, ou ainda que o Estado pode aumentar o bem-estar da população.

Reconhecendo que a economia é ação humana ao longo do tempo sob condições de incerteza, evidentemente que o mercado nunca estará em equilíbrio, pois ele é formado pelas dezenas de milhares de ações individuais que ocorrem a todo o momento e ao longo do tempo, sendo impossível, por exemplo, que exista em economia um “estado de equilíbrio”. Entretanto, o mercado tende ao equilíbrio, porém, nunca o alcança, pois dada as necessidades ilimitadas do homem, a categoria ação garante que os homens nunca estão num estado de inação; mas estão sempre agindo e, ao longo do tempo, mudando seus gostos e preferências. Por isso a ciência econômica pode afirmar com certeza que, quando a economia está chegando no tal "equilíbrio", uma nova ação empreendida no mercado já o anula e novamente há uma tendência ao equilíbrio, porém, ressalta-se, a economia nunca o alcança. Decorre daí outro axioma descoberto pelos economistas da Escola Austríaca, qual seja, que o mercado é um processo e nele não existe “estado de equilíbrio” ou um “estado final”.

Assim, o conceito de mercado não pode ser expresso por algo matemático e frio que permita que se façam cálculos para medi-lo, como querem alguns postulados econômicos ainda ensinados nas universidades. De fato, a partir da ciência da ação humana, revela-se que o mercado é um processo, justamente por ele ser uma dimensão da ação humana.

Por isso, toda intervenção do Estado na economia só poderá modificar (e para pior) o emprego dos recursos que seriam estabelecidos pela ação individual, livre e voluntária no mercado. Daí, deduz-se claramente que o processo de mercado direcionará os recursos (trabalho, capital, terra, insumos, tempo) para que sejam aplicados de acordo com as vontades dos consumidores que se materializam no mercado. A intervenção estatal serve apenas para desvirtuar o emprego desses recursos para serem empregados em “setores” menos urgentes de acordo com o julgamento dos consumidores. Assim, o deslocamento para outras linhas produtivas - estimuladas através da coerção estatal - gera um ganho de um lado (aquele em que o governo julgou importante) e uma perda noutro, exatamente naquela linha de produção em que os consumidores livres e voluntariamente julgavam mais importantes. Infelizmente, o Estado não tem o poder de criar riquezas, assim, ele apenas tira de uns para dar a outros. Deste modo, com toda a segurança que o postulado da praxeologia nos proporciona, pode-se ter certeza que o Estado desviará o emprego dos recursos para outras linhas de produção em que os consumidores não julgam as mais urgentes.

A ação estatal na economia de mercado gera mais malefícios do que benefícios, pois a distorção na alocação dos escassos recursos econômicos sempre serão desvirtuados para linhas de produção necessariamente menos urgentes, o que além de desperdiçar os recursos, acabará por prejudicar aqueles “setores” da economia em que os consumidores desejam que os recursos fossem empregados com mais urgência. Percebe-se daí, que o maior bem estar só pode ser alcançado numa economia livre da coerção estatal.

Um exemplo praxeológico prático. No Brasil, a oferta de guaraná é garantida pela iniciativa privada, pois não há nem um guaraná no País que seja produzido por uma estatal. É fácil perceber a partir daí, que além de existir inúmeras marcas e preços deste produto, ao ponto do consumidor poder escolher entre eles qual comprar e a que preço, também, não há registro que o guaraná tenha faltado nos supermercados, bares etc. Entretanto, desafio que se identifique um produto ou serviço estatal. Digamos educação ou mesmo segurança. Quem oferta segurança no Brasil é o Estado. Qualquer pessoa sabe que o serviço de segurança (bem como o de educação) pública no Brasil é absolutamente ineficiente, mal pago e caótico, apesar dos elevados gastos do Estado nestes setores e dos impostos que cobra dos cidadãos. Mas aí alguns dirão: - Ah, mas o guaraná não é um bem essencial à sobrevivência da população, por isso o mercado pode dar conta suficiente da oferta!

Ora, por acaso os alimentos e o vestuário não são bens essenciais à sobrevivência das pessoas? E, por acaso não é o mercado o responsável pela produção desses bens? E, não obstante, foi o mercado que conseguiu ofertar da melhor forma esses bens e pelos menores preços, ao menos muito melhores e mais baratos que se fossem ofertados pelo Estado. Em definitivo, só através do livre mercado que o bem-estar social pode ser maximizado.

A guisa de conclusão

O desenvolvimento das nações depende exclusivamente das medidas governamentais que passarão a não serem implementadas pelo Estado, ao mesmo tempo que, terão que ser gradativamente depostas aquelas que ora estão em andamento aos seus cuidados. O aparato de coerção e compulsão por excelência não tem nada a contribuir para o desenvolvimento das nações. A ciência econômica nos garante que o Estado é um corpo estranho na economia e que precisa ser combatido.

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Referências Bilbiográficas:

Mises, Ludwig von. Ação humana: um tratado de economia. 2 .ed. – Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995. 890 p.

Rothbard, Murray N. O essencial Von Mises. 2. ed. – Rio de Janeiro: José Olympio: Instituto Liberal, 1984. 50 p. (Série Pensamento Liberal; n. 1).

Iorio, Ubiratan J. Economia e Liberdade – a escola austríaca e a economia brasileira. 2. ed.(atual. e ampl.) – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 240 p.

20 de set. de 2004

O Crescimento não é Sustentado

"O monopólio governamental sobre o dinheiro deve ser abolido para deter as recorrentes crises de inflação e deflação agudas que se têm notícias no mundo nos últimos 60 anos. Essa abolição é também a cura para doenças de raízes mais profundas das sucessivas ondas de depressão e desemprego e que são atribuídas, indevidamente, ao ‘capitalismo’”.

F. A. Hayek (DESESTATIZAÇÃO DO DINHEIRO, 1978).

No artigo anterior expliquei que a inflação ocorre quando o governo emite papel-moeda além do crescimento do produto interno bruto, o PIB. Dados do Banco Central revelam que, desde maio deste ano, a emissão de moeda pelo governo girou em torno de 20% acima do crescimento da economia, sendo que em julho atingiu 24%. Sendo assim, se o governo não estancar o processo de emissão de “moeda falsa” o perigo inflacionário torna-se cada vez mais eminente.

Mas porquê o Banco Central emite moeda em desacordo com o crescimento do PIB? Ora, essa é uma clara intenção de financiar os gastos do governo e/ou de estimular, artificialmente, a atividade econômica, pois o excesso de liquides estimula o consumo e pressiona a produção.

Não obstante, o fato de que o excesso de liquides estimule o consumo e a produção, o crescimento que daí decorre - que o governo e os economistas que o apoiam tem dito que se trata de um crescimento sustentado - é falso, pois a economia apresenta sinais de crescimento a partir de estímulos monetários artificialmente criados. Se o governo não restringir a emissão monetária a economia corre o sério risco de apresentar pressões inflacionarias e toda sua conseqüente tragédia, como corrosão da renda, queda da produção e mais desemprego.

Para o Brasil ingressar num ciclo de prosperidade econômica urge a necessidade do governo cortar seus gastos e reduzir paulatinamente a extorsiva carga tributária para níveis não maiores que 20% do PIB (hoje está próxima de 40% segundo fontes oficiais), eliminar os excessos burocráticos que torna proibitiva a iniciativa privada, garantir a propriedade privada, bem como, estabelecer a autonomia ou mesmo a independência do Banco Central a fim de dar maior certeza ao agentes econômicos de que o BC não praticará uma política monetária irresponsável com ora vem ocorrendo, pois a estabilidade de preços é uma condição imprescindível para o crescimento sustentável de um país.

Em qualquer livro texto de economia registra-se que o Banco Central tem que, eminentemente, cumprir o papel de “guardião da moeda”, ou seja, evitar que ela se deprecie, mantendo a estabilidade dos preços para que a economia avance num ambiente estável. No Brasil, a cada dia, torna-se mais claro que Banco Central rasgou seus princípios e que está a mercê das vontades do partido governante mesmo que elas estejam absolutamente desprovidas de sensatez.

Quando o governo infringe as leis da economia pretendendo criar a força um “canarinho” não é de se surpreender que dali não sai nem um canarinho nem outro pássaro semelhante. Entretanto, pode-se ter certeza que apesar da boa intenção (as mesmas que adornam o inferno!) produzirão um corvo, com toda sua feiura e disparidade diante do projeto anteriormente idealizado.

09/09/2004

Inflação: um dragão falecido?

Notícias dão conta de que a economia do País pode crescer até 5% este ano. Superando uma taxa a muito não alcançada. A razão do aquecimento da economia brasileira é o aumento das exportações, o que significa que a economia externa é que fomentou o aumento da produção interna.

Enquanto isso a demanda interna permanece em patamares tímidos em virtude da queda no poder de compra da moeda interna, ou no máximo, apresenta fracos sinais de crescimento. Uma razão eminente da queda do poder de compra da moeda é a excessiva criação de moeda pelo Banco Central que ao injetar dinheiro na economia, mais que a sua capacidade de produção, faz com que os consumidores gastem mais rapidamente o dinheiro principiando um processo inflacionário e, ao mesmo tempo, criando um aquecimento da economia não sustentável.

A ciência econômica garante que quando o governo (o aparato que detém o monopólio da criação e emissão de moeda) injeta mais moeda do que o produto total da economia (a soma de todos os bens e serviços produzidos em determinado tempo) os agentes econômicos tendem a gastar o dinheiro mais rapidamente, ou seja, eles preferem se desfazer da moeda o quanto antes, consumindo bens e serviços, pois temem que se deixar isso para depois a moeda não terá o mesmo poder de compra. Esse círculo vicioso se auto-alimenta na medida em que os agentes econômicos (as pessoas) percebem que há excesso de liquides na economia, e passam a gastar cada vez mais rápido seu dinheiro.

É esse processo que fomenta o que os economistas equivocadamente chamam de “aumento geral no nível de preços”, quando na verdade o que ocorre é uma depreciação do poder de compra da moeda em virtude do excesso de moeda-papel que o governo lança no mercado. Com o excesso, o valor da moeda vai se depreciando e, conseqüentemente, ela vai perdendo seu poder de compra. Entretanto, quando isso ocorre, o que os consumidores sentem é que os “preços subiram”, pois é o que se verifica nas prateleiras dos supermercados, das farmácias, no boleto da água, da luz etc.

Um processo inflacionário (ou mesmo “um pouco” de inflação como alguns suicidas querem para promover o crescimento) num sistema econômico é como um câncer que corrói um organismo. No caso do sistema econômico, a inflação prejudica em maior proporção às classes mais baixas que praticamente consomem tudo o que ganham e não podem poupar, pois guardar reservas em fundos de investimento é uma alternativa para se proteger da inflação. Além disso, em mais ou menos tempo, o governo se vê obrigado a lutar contra a inflação, que além de aumentar as desigualdades sociais ela agrava as contas públicas. Por isso o governo se vê obrigado a debelá-la sob pena de implosão do déficit público e da corrosão total do poder de compra da moeda, levando uma economia a total ruína com, desemprego, desigualdade, recessão e, como se não bastasse, inflação.

Verificado que o Banco Central vem ao longo dos últimos meses promovendo um aumento contínuo da oferta de moeda em relação ao crescimento da economia, o perigo inflacionário torna-se cada vez mais eminente. Caso o BC não rever a irresponsável condução da política monetária que vem praticando, a sociedade poderá vir sofrer o assalto da inflação em seus bolsos com a inevitável corrosão do poder de compra da moeda e, conseqüentemente, a “alta crescente e persistente dos preços” nas prateleiras, configurando um quadro desalentador para a economia brasileira.

O crescimento econômico que a economia brasileira vem apresentando, além de encontrar graves restrições em setores como o de transportes e energia (só para citar dois) pode ser impedido ainda com o perigo inflacionário. Mas enfim, não soa estranho que um governo que tem uma ideologia de inspiração estatista e totalitária, ressuscite alguns “dragõezinhos”.

02/09/2004