14 de mai. de 2008

Curso sobre a Justiça em Rothbard

Por ocasião do Congresso Estadual de Direito a realizar-se de 26 a 31 de maio na UNIJUI, estarei ministrando um minicurso sobre A Questão da Justiça no Libertarianismo de Rothbard no dia 26/05. Os interessados devem fazer inscrição prévia através do site do Congresso. Maiores informações pelo fone (55) 3332-0413, nos três turnos.

Minicurso: A Questão da Justiça no Libertarianismo de Rothbard
Data: 26/05/2008 (segunda-feira)
Local: UNIJUÍ, sala H1 do campus Ijuí.
Horário: 19:30

Resumo: A filosofia política do liberalismo clássico pretendeu justificar o Estado eminentemente como a entidade reguladora do convívio social. Em contraposição a noção do estado de perfeita liberdade, o estado de natureza belicoso e vulnerável aos apetites humanos, os filósofos liberais contratualistas do século XVIII e XIX produziram um preceito teórico legitimador do Estado, na forma de um contrato social, cujo papel precípuo é o de garantir o direito à vida, à propriedade e à liberdade. Desse modo, o contratualismo procurou ligitimar a relação soberano-súdito para fins de evitar os conflitos, estabelecer a harmonia social e garantir os contratos. O Estado “vigia-noturno” seria justificado porque sem ele a sociedade caminharia para um estado de permanente selvageria e caos. Mas um dos argumentos centrais do liberalismo contratualista - e que no fim das contas colabora com a própria definição conceitual do Estado -, é que ele deve manter o monopólio das cortes, do estabelecimento das leis (legislação) e o monopólio da última decisão em caso de conflito. A premissa básica é que se deixasse esse importante mecanismo de proteção e segurança nas mãos de proprietários privados, isto culminaria na pura arbitrariedade jurídica e a sociedade humana seria um lugar extremamente vulnerável para o convívio social, para dizer o mínimo. Essa percepção contratualista da sociedade inaugurada no século XVIII e XIX exerceu tanta influencia no mundo ocidental que sua história política foi marcada pela emergência do Estado moderno e em seguida pela democracia. Contudo, apesar da quase unanimidade teórica da necessidade do Estado, ainda que mínimo, emergiu nos Estados Unidos em princípios da década de 1970 o desenvolvimento teórico do que veio a ser denominado libertarianismo ou anarco-capitalismo, uma sociedade sem Estado mas baseada no princípio da propriedade privada. Um dos maiores expoentes dessa vertente teórica foi Murray Rothbard (1926-1995), cujo radicalismo teórico ultrapassou e transcendeu as exposições dos mais renomados defensores do liberalismo radical, tais como Hayek e Nozick. Ao tentar unificar a justificativa utilitarista-econômica com a justificativa ética pela abolição do Estado, Rothbard construiu um sistema teórico integral da liberdade. Este minicurso pretende apresentar os fundamentos teóricos do libertarianismo de Rothbard e verificar a questão do funcionamento e eventuais cenários da operacionalização da justiça num sistema social libertário. Questões como: Qual a justificativa para o direito à propriedade privada? Quem garantiria o direito à propriedade privada numa sociedade sem Estado? Seriam agências privadas? Quem legitimaria seu poder? Quem recrutaria a polícia? Quem os pagaria? Enfim, quem garantiria a justiça?

7 de mai. de 2008

A Hora é Agora! ou, sugestão de desintoxicação

Dias 05 e 06 de maio, o auditório da sede acadêmica da UNIJUI foi palco de uma pirotécnica propaganda marxista. O evento abordou O Capital de Marx e sua crítica à economia política e o Para Além do Capital de István Mészáros. O propagandista era o doutor Sérgio Lessa. Sendo impossível aqui abordar toda a intrujice teórica e as mentiras que fundamentaram o discurso marxista (e marxiano) do professor, neste arrazoado pretendo apenas pontuar alguns elementos da teoria marxiana por Lessa apresentado e, no fim, sugerir uma breve (mas eficaz) sugestão de leitura que revela todo o engodo por trás do colorido discurso pega-incautos. Ó que legal, a sugestão parte dos mais consistentes críticos de Marx, não de seus seguidores.

Sabe-se que Marx foi um feroz crítico da economia política inaugurada por Adam Smith (1776) e aprofundada por David Ricardo (1817). A posição marxiana consiste, em um dos planos centrais, na crítica à justificativa do capitalismo fornecida pelos economistas. Marx entendia que o capitalismo ao dar vazão à propriedade privada, ao empreendedorismo, ao lucro e à liberdade de mercado, sofria de contradições internas irresistíveis que culminaria na sua própria destruição. Algum tempo depois, Lênin foi bastante preciso quando afirmou que os capitalistas movidos na busca pelo lucro (isto é, por atender os desejos e necessidade dos consumidores) estavam tecendo a corda do seu próprio enforcamento. Mas para Marx, o socialismo redentor era a alternativa vindoura pelos frutos do próprio desenvolvimento histórico e a boa notícia era que esta alternativa estava prestes a nascer na Europa, ainda no seu tempo.

Infelizmente, a previsão de Marx falhou. O capitalismo não se esgotou e infelizmente o paraíso socialista não pôde dar a sua cara (aquele em que trabalharíamos 8 horas por mês e o resto do tempo escreveríamos poesia e tocaríamos canções, segundo a profecia do professor Lessa). Mas isto é detalhe. O ambiente estava propício algum tempo depois, na Rússia, e os revolucionários tinham tanta certeza que tomaram o poder do Estado. Ao tomar o poder implantaram uma ditadura que resultou não no paraíso socialista descrito, mas numa ditadura sanguinária e opressora até então jamais vista na história do mundo. Mero detalhe, caro leitor, pois de fato os caras não se deram conta que as “condições estruturais ainda não eram as favoráveis”. No dizer marxista, não era o “momento histórico”. A opressão, a fome generalizada e rios de sangue inocente foram apenas erros de percurso. Nada a ver com o ideal, belo e puro em si. Em outros lugares do mundo em que ocorreu a tomada do poder pelos socialistas revolucionários, a história infelizmente se repetiu. Contudo, isto também é mero detalhe que não mancha o ideal. Ele, no fundo, é puro, por mais que os fatos insistam em rejeitar. Como já foi dito: se a teoria não condiz com os fatos, pior para os fatos.

E, assim, a história das gerações de revolucionários vive deste curioso fenômeno espasmódico de esperança, certeza e fracasso. Por exemplo, agora, neste “momento histórico”, não falta quem não diga que, agora sim!, estamos vivendo a maior crise do capitalismo. Sem exagero, até temporais e chuvaradas servem para fortalecer a crença de que o fim está próximo e que o paraíso proletário está com todas as condições para emergir. Em que pese isto parecer repetição de piada grotesca, me convenço que não. Olavo de Carvalho parece ter razão quando diz que o marxismo não é somente uma ideologia, uma teoria econômica, um programa revolucionário, uma filosofia da história etc., mas sim uma cultura[1]. Pois que cultura vive, em primeiro lugar, em função de sua auto-preservação e não sucumbe em função de suas contradições e erros internos. É o que parece acontecer com o marxismo, pois que sempre é a hora de acreditar que o fim do capitalismo está perto, que as monstruosidades do passado são erros de percurso e que, agora sim!, a salvação se aproxima.

Fora este elemento curioso (e macabro) do movimento em si, vale, por fim, recomendar para os interessados no estudo da teoria, a leitura da devastadora crítica à teoria econômica de Marx feita pelo economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk (não, você não lerá na faculdade) em seu livro editado no Brasil A Teoria da Exploração do Socialismo/Comunismo[2], que trata-se de parte de sua obra Capital and Interest (1889). Como continuidade lógica é indispensável conferir a até hoje irrefutada demonstração feita por um dos mais genais economistas do século XX, Ludwig von Mises, em seu livro Socialism[3] (1922). Mises mostrou (em 1922!) que, do ponto de vista econômico, o socialismo nos seus próprios termos é um sistema impossível de funcionar. Para um resumo da crítica de Böhm-Bawerk e Mises à Marx, sugiro o excelente artigo A escola austríaca e a refutação cabal do socialismo de Alceu Garcia. Após estas leituras, creio, francamente, ser impossível alguém em sã consciência dar crétido à teoria de Karl Marx.

[1] Esta demonstração foi feita, ineditamente, num polêmico debate entre Olavo de Carvalho e Alaor Caffé na USP, em novembro de 2003, e está transcrita na íntegra aqui. Ver também a subseqüente trilogia de artigos 1. A Natureza do Marxismo; 2. Marxismo Esotérico e 3. Diferenças Específicas.
[2] Livro disponível on-line
aqui.
[3] Livro disponível on-line em pdf
aqui.

3 de mai. de 2008

Sobre Amartya Sen

Entrevista com Thomas Kang

Thomas Kang é formado em economia pela UFRGS e atualmente faz mestrado em economia na USP, com ênfase nos campos da história econômica e do desenvolvimento econômico, concentrando especial atenção nos temas da desigualdade, educação e justiça distributiva. Amartya Sen, o economista indiano e nobel em 1998 e que trouxe notáveis contribuições para a teoria do bem-estar social, do desenvolvimento econômico e da justiça distributiva é um dos principais autores estudados por Kang (veja o seu blog aqui). Mas talvez o elemento mais eloqüente para os habituais leitores do nosso blog é a crítica à ética libertária desenvolvida por Sen. É com o fito de conhecermos um pouco melhor este pensador que Kang concedeu esta entrevista por e-mail. Boa leitura!

Quem é Amartya Sen?

Kang: Amartya Kumar Sen é um economista que nasceu em Santiniketan, Índia em 1933. Estudou em Calcutá e posteriormente, recebeu seu título de doutor pela University of Cambridge em 1959, sob a orientação de Joan Robinson. Embora sua tese tenha sido sobre a escolha de técnicas, passou a estudar filosofia em Cambridge e enveredou por vários ramos da teoria econômica e da filosofia, dos quais falarei mais a seguir. Foi professor de diversas instituições como Delhi School of Economics, University of Oxford, London School of Economics e até há pouco tempo, era o Master do Trinity College de Cambridge. Voltou recentemente a fazer parte do Departamento de Economia e do Departamento de Filosofia da Harvard University (Lamont University Professor). Foi também presidente da American Economic Association (1994), da Econometric Society (1984), da Indian Economic Association (1989) e da International Economic Association (1986-89). É membro honorário da American Academy of Arts and Sciences e membro da American Philosophical Association. Recebeu em 1998 o Prêmio de Economia em memória a Alfred Nobel por suas contribuições à economia do bem-estar (welfare economics). Foi também uma das pessoas responsáveis pela formulação do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.

O quê despertou seu interesse por Sen?

Kang: Quando era aluno da graduação em Ciências Econômicas na UFRGS, tive a oportunidade de cursar a disciplina de Política e Planejamento Econômico no começo de 2006 com o Prof. Dr. Flávio Comim, que ao obter seu doutorado em Cambridge, teve contato com as teorias de Sen. Na disciplina, fomos apresentados à teoria de desenvolvimento de Sen: a chamada abordagem das capacitações (capability approach), o que foi um pouco chocante pelas suas diferenças em relação à visão mais estreita que sempre tivemos de desenvolvimento. No entanto, o choque foi positivo e me interessei cada vez mais pelos escritos de Sen e de outros adeptos da capability approach.

Quais as principais contribuições teóricas de Sen?

Kang: Acredito que, cronologicamente, sua primeira contribuição importante está relacionada ao tema da escolha social. Um importante trabalho nessa área é sua tese da impossibilidade de um liberal paretiano (1). Nesse trabalho, ele demonstra que o ótimo de Pareto pode não ser compatível com o liberalismo. Outro trabalho é a tentativa de encontrar métodos razoáveis de agregação interpessoal e de comparabilidade parcial, de forma a possibilitar algum tipo de "escolha social" (2). Um bom resumo de suas contribuições principalmente nessa área está na sua palestra por ocasião do Prêmio Nobel (http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1998/sen-lecture.html). Vale a pena dar uma lida nessa palestra, uma vez que a maioria dos trabalhos em teoria da escolha social são bastante axiomatizados.

Outras fundamentais contribuições de Sen que tem relação com suas idéias filosóficas são as que tratam do tema "racionalidade". Um dos textos mais clássicos é o "Rational Fools"(3), em que Sen critica o estreitamento do conceito de racionalidade na economia e seu caráter a-ético, chamando atenção para conceitos como simpatia (sympathy) e compromisso (commitment). Esse último poderia ter um papel crucial no comportamento humano racional.

Sen também tem importantes trabalhos mais técnicos na área de mensuração de desigualdade e pobreza, em que se destaca seu livro "On Economic Inequality" (4), além de numerosos papers sobre o assunto. Também entre seus trabalhos empíricos, a fome merece papel de destaque, com seus inúmeros trabalhos acerca da fome em seu próprio país, a Índia. Não podemos ignorar também seus estudos sobre desigualdade de gênero. No campo teórico, Sen também escreveu sobre teoria da escolha racional também sobre crescimento econômico.

Uma outra grande área de estudos de Sen é a da economia do bem-estar (welfare economics). Suas publicações no tema abrangem questões de justiça distributiva, críticas ao welfarismo presente no utilitarismo, e sua original contribuição sobre capabilities. Muito relacionados a esses escritos são seus trabalhos sobre desenvolvimento econômico, que passam a incorporar aspectos filosóficos do seu pensamento. Evidentemente, seu trabalho mais conhecido é o "Desenvolvimento como Liberdade" (5). Outro trabalho de leitura fundamental e didática é seu "Desigualdade reexaminada" (6), o qual recomendo fortemente. Esses dois últimos livros resumem boa parte das idéias de Sen, sendo uma excelente visão geral e acessível de seu pensamento.

Para alegria dos leitores do seu blog, posso afirmar que são numerosos seus trabalhos na área de ética, filosofia política e filosofia moral. Acredito que seu trabalho mais denso e significativo a respeito seja o "Well-being, agency and freedom" (7). As relações entre ética e economia, passando por questões como racionalidade, estão no seu livro "Sobre Ética e Economia" (8), que considero de leitura obrigatória para os economistas leitores deste blog. Na leitura desses textos, temos que ter em mente sua rejeição ao utilitarismo e sua busca por uma alternativa mais razoável sem, no entanto, cair em uma ética baseada somente em princípios, como ocorre com a maioria dos filósofos e economistas libertários. Ou seja, Sen adota uma pespectiva conseqüencialista diferente da defendida pelo utilitarismo, porquanto Sen acredita que direitos devam ser considerados. Posteriormente, nos livros (5) e (6), Sen explica sua proposta para solucionar boa parte dos problemas que ele aponta existirem em outras teorias de justiça, a capability approach.

Quem são os autores em quem ele se inspirou e contra quem ele se levantou teoricamente?

Kang: Podemos apontar inúmeros autores como inspiradores de Sen. Sua visão de filosofia moral está certamente muito fundamentada nas idéias de Adam Smith (para quem não sabe, sua esposa, Emma Rotschild, é uma especialista em Smith), como ele explicita em (5), cap. 3. Não podemos esquecer de outros pensadores que o inspiraram, como John Stuart Mill e outros economistas ingleses como Edgeworth e Marshall. Por outro lado, Sen é indiano e estudou em uma escola que se baseava nas idéias de Rabinaradth Tagore, Nobel em Literatura, de quem também recebeu inspiração. Não sei dizer qual a influência dos filósofos pragmáticos como Dewey e Rorty em sua filosofia, embora eu suspeita que exista alguma. Conquanto Sen esteja longe de ser marxista, tenho que admitir, mesmo para leitores deste blog, que alguma influência de Marx ele recebeu de acordo com o próprio. Contemporaneamente, é inegável a influência de Ken Arrow, uma vez que o trabalho fundante no campo da escolha social em economia hoje se deva a Arrow e seu teorema da impossibilidade.

Na filosofia política contemporânea, a sua maior influência foi John Rawls, como já declarou inúmeras vezes. Na verdade, praticamente todos os que trabalham com filosofia política hoje dirão que Rawls é a influência maior, sejam eles companheiros ou adversários intelectuais de Rawls. Em sua palestra na Conferência da HDCA (Human Development and Capability Association) em setembro de 2007, Sen homenageou Rawls, dizendo que ele não teria escrito nada sobre o assunto se não tivesse lido Rawls.

Embora Rawls seja seu grande inspirador e que concorde com ele em diversas questões, o que faz de Sen ser alguém proeminente no debate é justamente suas diferenças em relação a Rawls ao advogar a igualdade de capabilities ao invés da igualdade de bens primários.

Em uma pequena entrevista como essa, não posso falar muito a respeito. Sugiro que procurem ler a bibliografia que indiquei (especialmente o capítulo 3 de (5) e o capítulo 5 de (6)). Evidentemente, Sen também critica fortemente os utilitaristas tanto antigos (Bentham e outros) como modernos (Harsanyi, etc). Em diversos escritos, Sen tenta mostrar os problemas derivados da aplicação da filosofia de Robert Nozick. Portanto, Sen é um crítico dos libertários. (ver sobretudo cap. 3 de (5))

Vejam o CV completo com todas as publicações de Sen em http://www.economics.harvard.edu/faculty/sen/cv/CV.pdf

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(1) “The Impossibility of a Paretian Liberal,” Journal of Political Economy, 78 (1979). Reprinted in F. Hahn and M. Hollis, eds., Philosophy and Economic Theory (Oxford: Oxford University Press, 1979).
(2) “Interpersonal Aggregation and Partial Comparability,” Econometrica, 38 (May 1970); “A Correction,” Econometrica, 40 (September 1972).
(3) “Rational Fools: A Critique of the Behavioural Foundations of Economic Theory,” Philosophy and Public Affairs 6 (Summer 1977); reprinted in H. Harris, ed., Scientific Models and Man: The Herbert Spencer Lectures 1976 (Oxford: Clarendon Press, 1979); F. Hahn and M. Hollis, eds. Philosophy and Economic Theory (Oxford University Press, 1979); also in Jane Mansbridge, ed., Beyond Self-Interest (University of Chicago Press, 1990).
(4) On Economic Inequality, Oxford: Clarendon Press, 1973; New York: Norton, 1975.
(5) Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
(6) Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2001.
(7)“Well-being, Agency and Freedom: The Dewey Lectures 1984,” Journal of Philosophy, 82 (April 1985).
(8) Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.