14 de abr. de 2004

Inflação e Crescimento: uma contribuição ao debate


“De fato, a história econômica é um extenso registro de políticas de governo que falharam porque foram elaboradas com um imprudente desrespeito às leis da economia.”
Ludwig von Mises



Alguns economistas e opinadores em geral tem afirmado com uma certa compulsão que para o Brasil voltar a crescer é necessário que se mude a política econômica palocciana. Esse mudar significa afrouxar a política de juros, isto é, cortar os juros com mais intensidade, mesmo que isso venha a representar um aumento da inflação.

Há quem vai mais além nesse raciocínio e diz que não tem como haver crescimento econômico sem “um pouco” de inflação. Sendo assim, afirmam, não tem jeito mesmo, só com um pouco de inflação é que o Brasil entrará num ciclo de prosperidade. A inflação, segundo esse raciocínio, viria a ser um mal necessário. Contudo, essa assertiva, a despeito da quantidade de sujeitos que a proclamam (até mesmo nosso vice-presidente), é uma afirmação absolutamente insana. Antes de vermos este ponto é importante esclarecermos outro.

Não há dúvida de que o nível da taxa e juros no Brasil é elevadíssima e que este nível acaba por comprometer a geração de investimentos e renda no país. Essa é uma questão unânime entre todos. O problema é concluir perante esse diagnóstico que basta o Banco Central baixar drasticamente a taxa de juros via decreto (o que gera inflação) que o marasmo econômico chegará ao fim e teremos a partir de então tempos de bonança e bem estar. Nada mais ingênuo ou mal intencionado.

As pessoas não param para pensar que a taxa e juros nada mais é do que o preço que o governo paga as pessoas que comprometem suas poupanças investindo em títulos do governo. Ora, o Brasil tem uma história recente não muito agradável aos investidores, pois já anunciamos calote de dívida, o que gera desconfiança. Assim como, a dívida pública do Brasil é estratosférica, além de ter um perfil de curto prazo, o que obriga o governo a pagar um rendimento atraente aos investidores, pois caso contrário eles fogem para estâncias mais confiáveis. Ninguém empresta dinheiro a preço barato, isto é, a juros barato, a uma pessoa altamente endividada e com um passado de caloteiro. Por esse motivo os juros são alto no Brasil.

Diante disso, o que ninguém dos palpiteiros se pergunta é o porquê que nossa dívida é tão elevada (que é o que, afinal, determina a taxa de juros).

Infere-se, pois, que a taxa de juros não é a causa do nosso atrofiamento econômico. Seu nível é apenas uma conseqüência diretamente ligada à história econômica do país, ou melhor dito, com a história do endividamento do Estado que remonta, de modo mais expressivo, desde a era Vargas passando pelos militares e que culmina em nossos dias. A história econômica do Brasil é a história de sucessivas políticas de governo que endividaram seu povo em nome de um nacionalismo fascista e que hoje o povo paga a conta dos erros de políticas econômicas que foram travestidas de políticas “desenvolvimentistas” em anos passados. O inchaço do Estado representados por seus privilégios, proteção, incentivos, concessões etc, etc é, em última instância, o grande responsável pelo alta taxa de juros e por conseqüência o elevado desemprego porque passa hoje a economia do país, bem como, pela falta de perspectivas quanto ao curto e médio prazo(1).

Neste contexto é insanidade proclamar para que o Dr. Henrique Meirelles baixe os juros para alavancar o crescimento econômico do país acreditando que “um pouco” de inflação é necessário para o crescimento. É preciso ficar claro, que a inflação é o pior dos impostos, pois ela transfere renda dos mais pobres para os mais ricos. Escolher a inflação como remédio para o crescimento econômico é, deste modo, agravar ainda mais a injustiça social.

Voltando ao ponto, portanto, o argumento central dos que defendem “um pouco” de inflação para promover o crescimento carece de sustentação, pois o afrouxamento monetário via redução a golpes de caneta na taxa de juros não pode gerar nada além de um crescimento efêmero e de curto prazo cuja ressaca não tardará a chegar. A teoria dos ciclos da Escola Austríaca de Economia elaborada por Ludwig von Mises ainda nos anos 20 do século passado e aperfeiçoada posteriormente por seu aluno Friederich von Hayek explica esse processo para além de qualquer dúvida (2), mas não cabe neste artigo apresentá-la, senão, brevemente.

O aumento da base monetária ocasionado pela queda artificial na taxa de juros gera, num primeiro momento, um aumento dos investimentos no setor de bens de capital. Esse setor ao empregar mais fatores de produção (aí o trabalho) vai gerar maior renda. Os trabalhadores dessas indústrias vão aumentar a demanda por produtos finais o que também vai estimular o setor de bens de consumo, gerando assim um processo de crescimento. Mas acontece que se o governo seguir praticando a política monetária expancionista, o perigo inflacionário tende a se agravar e com isso a desconfiança na moeda nacional a se deteriorar. Neste cenário, uma crise cambial é inevitável e a fuga de capitais será mero reflexo da inconseqüente política de juros artificialmente baixo praticada pelo governo em prol do suposto crescimento.

Diante deste quadro o governo se vê obrigado a elevar a taxa de juros sob pena de uma implosão no déficit público. Quando ele elevar a taxa de juros para os níveis da verdadeira poupança disponível, o governo simplesmente estará avisando os investidores que seus investimentos passados (lastreados com juros artificialmente baixos) foram mal previstos e agora se tornaram inviáveis. A quebradeira e o desemprego decorrente daí é a maneira para equilibrar novamente a economia.

Os economistas da Escola Austríaca foram os primeiros a revelar esse processo do artificialismo monetário conduzido pelos governos que em nome do crescimento econômico levaram muitos países à grandes crises, como a de 1929, que erroneamente a maioria dos livros acusam de ter sido uma crise do liberalismo, quando na verdade, o responsável por ela foi o Estado que emitiu moeda-papel sem lastro durante toda a década de 1920 criando uma bolha artificial de crescimento que foi estourar em outubro de 1929 ocasionando uma das maiores crises econômicas registradas pela história(3).

Diante do exposto, verifica-se que o verdadeiro fundamento para o crescimento econômico é a geração de poupança e não a queda artificial na taxa de juros. O caso do Brasil é problemático. A insaciável fúria arrecadatória do Estado, que hoje beira os 40% da renda nacional, tem inviabilizado a geração de poupança pela população. Sendo assim, o crescimento econômico brasileiro depende decisivamente do corte nas despesas do Estado, pois com a queda no déficit público estará permitido a redução sustentada na taxa de juros. Por sua vez, a redução dos impostos sobre a sociedade, incentiva-se a geração de poupança que é o verdadeiro lastro para os investimentos. E por fim, reduzir o tamanho do Estado, é desburocratizar a livre iniciativa que hoje encontra-se amarrada pelas cordas do governo. Deste modo, a redução do Estado e a liberdade econômica são os verdadeiros pressupostos para o Brasil entrar num período de prosperidade desenvolvimentista que tanto clama a sociedade. Caso contrário, viveremos cambaleando de crise em crise e ingerindo, entre esse meio tempo, apenas remédios paliativos que depois de passado seu efeito a dor da crise se agrava ainda mais.

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(1) Ver “O Dinossauro – uma pesquisa sobre o Estado, o patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas”. J. O. de Meira Penna. (Ed. T.A. Queiros Editor) 1988.

(2) Ver “Ação Humana – Um tratado de Economia”. Ludwig von Mises (ed. Instituto Liberal) 1995, ou ainda “Economia e Liberdade – A Escola Austríaca e a Economia Brasileira”. Ubiratan Iorio (Ed. Forense Universitária) 1998.

(3) Ver “America’s Great Depression”. Murray N. Rothbard, disponível em PDF no
www.mises.org

8 de abr. de 2004

XVII Fórum da Liberdade
Brasil, País em Desenvolvimento: Até Quando? Foi a pergunta/tema que desafiou os debatedores do XVII Fórum da Liberdade realizado dias 05 e 06 de Abril na PUC em Porto Alegre. Este ano o evento teve uma característica ímpar por ter acontecido excepcionalmente numa universidade, ambiente em que predomina o viés esquerdista e antiliberal. Por isso um dos fatos marcantes nesta edição foi a grande presença do público universitário e até de estudantes secundários.

O Fórum da Liberdade é o maior Fórum da América Latina em defesa da economia de mercado, da livre iniciativa e do Estado de Direito democrático. Algumas personalidades estavam entre os debatedores, entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seu ex-ministro da fazenda Pedro Malan, que sinceramente, nada de novo nos colocaram, pois para o regozijo da mídia (como notamos!) e horror dos liberais, não foram além de suas propostas sociais democratas, as mesmas que elevaram a carga tributária a níveis insuportáveis.

A mídia nos apresentou o Fórum reduzindo-se em dar destaque para as ilustres personalidades sendo “o Fórum em que FHC foi calorosamente aplaudido”, e, de fato, não deixou de ter razão. Mas a figura mais aplaudida pelo público, mas que a mídia só timidamente divulgou (pois creio que doeu o calo) foi o polêmico filósofo e escritor Olavo de Carvalho. Audacioso, irônico e com uma visão aguda da sociedade, ouvir Olavo de Carvalho foi como receber um copo d’água em meio o deserto escaldante. O filósofo não foi aclamado com uma calorosa salva de palmas como a que recebeu os "popstars" do evento. Mais do que isso, durante sua exposição foi constantemente interrompido pelos aplausos de um público de mais de 3 mil pessoas apreensivas diante de tamanha astúcia intelectual aliado a um fino senso de humor.

Outro destaque do Fórum que julgo ser importante ressaltar (que foi praticamente omitido pela imprensa) foi a presença de Jacob Hornberger, fundador e presidente da The Future Freedom of Foundation, instituição estadunidense voltada à defesa do liberalismo, que fez uma exposição lúcida, livre e descompromissada das autoridades políticas ali presentes. Entusiasta do liberalismo, Hornberger enfatizou que o governo não deve interferir na economia e tão pouco na vida das pessoas. Observou ainda, que a idéia de que o governo deve prover o bem estar social além de inútil e dispendioso para a sociedade, transfere as responsabilidades dos indivíduos ao Estado. Esclareceu que este princípio transforma e perpetua adultos em crianças. O economista foi feliz em sua palestra. Deixou claro aquilo que desde a criação do mundo sabemos: o livre arbítrio é um direito inalienável dos homens, Deus nos deu e não cabe ao governo impor o que cada um deve fazer e como fazer. Um tanto libertário, mas só assim a responsabilidade de cada indivíduo pode desenvolver-se plenamente, afirmou.

Mas, além disso, o Fórum foi de todo um mérito. Parece que as pessoas estão se dando conta de que o papel que os governos vêm desempenhando ao longo da história tem alcançado resultados ineficazes -- quando não desastrosos -- e notando ainda que o tamanho do Estado (governo) é proporcional a ineficiência. Diante disso, a conclusão que se impõe é que se faz urgente reduzir seu tamanho e sua interferência na esfera da vida social e econômica.

Apresento de forma breve alguns diagnósticos que puderam ser extraídos sobre o atraso brasileiro: Por um lado o Estado (o governo como um todo) cobra excessivamente da sociedade via impostos e por outro não devolve nem os mínimos serviços que deveria prover com quantidade e qualidade, tais como estradas, saúde e educação. Quer dizer, os serviços públicos além de precários são caros. Além disso, temos um Estado que tem o monopólio da “justiça” (?) que tornou-se hoje uma das mais lentas e ineficientes do mundo. Ainda mais, a própria garantia de propriedade está fragilizada no Brasil. Como pode então, um país desenvolver-se se nem a propriedade privada é garantida pelo Estado? Impossível. E por fim, somos um país cartorial, o que nos torna excessivamente burocrático e ainda mais ineficiente.

Solução? Rever as despesas do Estado, no sentido de reduzi-las para aliviar a sociedade dos altos encargos; garantir o Estado de Direito (contratos e propriedade); reformar as instituições (Justiça) e estimular a inventividade e a criatividade humana, premiando o mérito pessoal ao em vez de taxá-lo. Em outras palavras é “dinamitar” a cultura patrimonialista, protecionista, corporativista e estatista (tão bem relatada pelo embaixador J. O. de Meira Penna em seu O DINOSSAURO) que está impregnada em nós.

Infere-se, pois, que o desenvolvimento é um processo que não se alcança por decreto governamental, pois abarca toda a dimensão da existência humana, seus valores, cultura, instituições, e por isso está imbricado num contexto histórico que antecede o momento presente e que só os indivíduos no pleno gozo de suas liberdades e responsabilidades podem construir.

Para concluir, exponho a pertinente avaliação do supracitado Olavo de Carvalho: não há registro histórico de que algum surto de inteligência tenha surgido após a prosperidade econômica de algum país, ao contrário, a prosperidade sempre foi uma conseqüência do avanço no campo das idéias. E concluiu ele: no Brasil elas estão definitivamente doentes, sendo que o ápice da anomalia mental se consolidou nas últimas eleições.