24 de fev. de 2007

Vouchers e o Estado: Friedman x Rothbard


Um dos grandes defensores dos Vouchers (vales) Escolares foi o recentemente falecido economista da Universidade de Chicago, Miltom Friedman (1912-2006). Para Friedman o sistema educacional deveria ser totalmente privatizado. O governo deveria entregar o fornecimento do importante serviço de educação nas mãos de proprietários privados. Friedman foi um defensor do fim da educação pública e compulsória.

No sistema privado defendido pelo economista, a busca pela mais alta qualidade e a redução dos preços seria uma constante por parte dos proprietários das escolas, que estariam permanentemente disputando cada aluno no mercado. Como toda empresa que opera em regime de concorrência, os proprietários das escolas procurariam contratar os melhores professores, implantar os melhores métodos educacionais e assim por diante.

Naturalmente, aquelas escolas que oferecessem serviços de baixa qualidade ou a preços não condizentes com a disponibilidade de pagamento do público, seriam obrigadas a rever sua gestão (torná-la mais eficiente) ou, então, encerrar as atividades pela pura inviabilidade econômica. Como se sabe, no mercado o consumidor é o soberano e as empresas devem servi-lo.

Para as famílias comprovadamente pobres o governo ofereceria os Vouchers Escolares, vales que permitiriam a família beneficiada escolher ao seu gosto em que escola matricular seu filho. Se a família fosse católica e desejasse que seu filho obtivesse na escola uma formação católica e não protestante ou muçulmana, assim poderia fazer livremente.

Sem dúvida que este sistema se nos apresenta superior ao regime estatal ora vigente. O ensino público gratuito é injusto por natureza e ineficiente por vocação. A própria noção de que ele é gratuito é um mito. De fato, para manter as escolas públicas (pagar professores, contratar profissionais, pagar aluguéis, estrutura, equipamentos etc.) o Estado precisa de recursos e esses recursos ele obtém através dos impostos que todos os cidadãos pagam, sobretudo os mais pobres. Então, não existe educação, ou qualquer outro serviço oferecido pelo governo, que seja gratuito. Todos nós pagamos na forma de impostos. Inclusive se não precisarmos usar. Como se vê, aí reside uma grande injustiça. Independente se utilizamos ou aprovamos o serviço público, somos obrigados a pagar parte da conta. E mais, geralmente quando precisamos desses serviços eles são extremamente precários, como é o caso das próprias escolas públicas, cuja ausência de concorrência e por não estarem condicionadas aos apelos dos consumidores sucumbem na própria ineficiência e no corporativismo político. Somente no universo estatal os consumidores não são soberanos. Eficiência e qualidade jamais é a prática da oferta do serviço público.

Então a proposta friedmaniana dos Vouchers Escolares vem suprimir a grande deficiência do ensino público e aprofundar a democratização da educação em sociedade.

No entanto, do ponto de vista da liberdade, eficiência e qualidade (elas andam sempre juntas) uma das grandes críticas ao sistema de vouchers foi feita pelo economista, cientista social, historiador e eminente pensador libertário americano, Murray N. Rothbard (1926-1995). Rothbard nos alerta que como o Estado continua a existir nesse sistema, ele tenderá a manter o controle da educação ainda que a oferta permaneça nas mãos de proprietários privados. Um Ministério da Educação permanecerá atuante a fim de regulamentar as escolas privadas. Regulamentar no sentido de continuar controlando o quadro disciplinar e didático das escolas que apesar de privadas, funcionarão somente com a autorização do próprio MEC. Escolas que por ventura ousarem demonstrar aos alunos que o Estado é uma entidade agressora, exploratória e injusta em sua origem tenderão a sofrer punição dos benfeitores burocratas educacionais. Ou seja, a questão da liberdade de ensino ainda não será alcançada e novamente estaremos submetidos no modelo educacional totalmente condicionado aos ditames do governo do dia.

Ainda que reconheça um avanço perante o sistema totalmente estatal, Rothbard prefere defender a total desregulamentação do Estado, ou melhor dizendo, a sua abolição do sistema. Para ele, um regime verdadeiramente livre é incapaz de coexistir junto de uma entidade como o Estado e, portanto, os Vouchers Escolares não são o melhor caminho para uma educação livre e de qualidade. Rothbard foi um defensor intransigente da liberdade. Defendeu a abolição do Estado e a privatização de todos os serviços prestados por ele. Para ele, o livre mercado é o melhor meio para a produção e a oferta de bens e serviços. E isto não exclui a educação.

O próprio Rothbard pergunta se acaso os sapatos são produzidos e ofertados pelo Estado. Não os são e, não obstante, existem em abundância, em variedade, em qualidade e em preços os mais diversos, sendo mais um da infinidade de produtos que o mercado permite que todas as pessoas tenham acesso. Inclusive o indigente que não possui dinheiro para adquirir o mais humilde par de chinelo geralmente tem com o que proteger os pés graças à caridade alheia.
Para Rothbard, a mesma abundância, variedade e qualidade haveria de ocorrer com a educação e todos os demais serviços (por mais essenciais que possamos julgar), cuja oferta atualmente está monopolizada pelo aparato do Estado.
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Rothbard, Murray N. For a New Liberty: The Libertarian Manifesto. Macmillan publishing, 1978.

13 comentários:

Marco Aurélio Antunes disse...

Há vários tipos de controle estatal. No modelo de Friedman, o controle estatal não é necessariamente nocivo, como pensa Rothbard.
O problema do modelo de Rothbard é desconsiderar o fato de que a privatização total reduziria significativamente as oportunidades na educação, que estariam disponíveis apenas para os indivíduos que pudessem pagar. A intervenção estatal é necessária para que, como observa Eduardo Giannetti, "a condição da família em que uma criança tiver a sorte ou o azar de nascer não exerça um papel mais decisivo na definição do seu futuro do que qualquer outra coisa ou escolha que ela possa fazer".

Lucas Mendes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas Mendes disse...

Olá Marco Aurélio,

Obrigado pelo comentário. Mas veja:

"O problema do modelo de Rothbard é desconsiderar o fato de que a privatização total reduziria significativamente as oportunidades na educação, que estariam disponíveis apenas para os indivíduos que pudessem pagar."

é despresível, pois no atual sistema TODOS pagam e, no Brasil, sobretudo as classes menos favorecidas, através dos impostos. Portanto, a noção de que a escola pública é "gratuíta" é exatamente a falácia que precisa ser desmistificada.

E assim como nos demais ramos onde impera a propriedade privada, não haveria motivos para acreditar que não haveria escolas voltadas para os ricos com alto preço das mensalidades e da mesma forma para famílias pobres. A questão da diferenciação na qualidade que resultaria disso, não só é natural, como benéfico do ponto de vista da liberdade e consequentemente do progresso. Vejo que o problema é nivelar por baixo o nível educacional, como ocorre no sistema submetido ao Estado, em nome de uma falsa gratuidade ou igualdade.

Mas como disse (e o próprio Rothbard concorda), o sistema de vouchers é BOM mas a proposta do Rothbard é ÓTIMA. Quando atingirmos o BOM, será mais fácil avançarmos para o ÓTIMO.

Um abraço!
Lucas

Marco Aurélio Antunes disse...

Sim, todos pagam. No entanto, justamente porque todos pagam é que as pessoas mais pobres têm oportunidade de estudar. A rigor, a escola pública não é gratuita, mas pode-se dizer que é praticamente gratuita, pois o custo para cada indivíduo que precisa dela é muito inferior àquele que seria necessário com a privatização total. Entendo que tanto Friedman quanto Rothbard buscam melhorar a eficiência do sistema e são coerentes com seus princípios, mas em relação à educação eu discordo de ambos. De qualquer maneira, considero bastante relevante a discussão das idéias desses autores, o que você tem feito com muita competência.
Um abraço.

Fernando Ferro disse...

Caro
Em primeiro lugar, parabéns pelo blog. Vejo um problema na privatização total do ensino: os sapatos não eram bens de qualidade e abundantes antes de a economia atingir um dado grau de produtividade.
Talvez, nos níveis atuais de salários e preços, e principalmente, pela atual produtividade da economia (ao menos em nosso país), talvez umas duas gerações permanecessem sem o acesso ao ensino. Obviamente que sob o sistema estatal atual a situação não é muito diferente, pelo fato da qualidade ser muito baixa, mas não sei, e creio que seria necessário estimar, qual a quantidade de pessoas ficariam de fora desse sistema. Veja que atualmente as escolas, mesmo as particulares, custam relativamente pouco, e os salários são muito baixos. Mas uma das causas é o fato de que o sistema "gratuito" puxa os preços para baixo, por questão de custo/benefício. Acho o tema instigante, e creio que maiores considerações seriam necessárias.
Um abraço.

Anônimo disse...

Um sistema educacional totalmente privado não pode ser concebido em bases libertárias sem a consequente "abolição" das guildas (conselhos profissionais). Isso certamente abriria o mercado de trabalho, gerando mais empregos, permitindo que os mais pobres conseguissem bancar seu próprio aperfeiçoamento intelectual e profissional.

Lucas Mendes disse...

Obrigado Carlos Alberto,
Não há nada que impessa o surgimento de conselhos profissionais num sistema libertário, inclusive diversos conselhos numa determinada categoria. Neste sistema é provável que tais conselhos operassem positivamente, pois se inúteis fossem não sobreviveriam. O importante é que não haveria imposição coercitiva obrigando o profissional a se filiar a um conselho. Entretanto, muito provável (veja, disse provável) que tais conselhos seríam bons, a exemplo das ISOs que existem hoje, que dão garantias de altos padrões de qualidade etc. etc. O fato é que não haveria proibição de profissionais que não sejam afiliados à conselhor, salvo se os próprios clientes fizerem boicotes aos profissionais não filiados.

Enfim, não vejo nunhum problema com os conselhos, ao contrário, podem ser muito úteis.

Abração
Lucas

Anônimo disse...

OLá,

Certamente Lucas. Não vejo problemas nos conselhos, por isso usei o termo "guildas". Queria me referir às entidades de classe monopolistas, amparadas por lei, como é o caso da OAB (que aparece até na constituição). Sobre essa questão dos conselhos, Klauber Pires escreveu um artigo em que tratava das sociedades "classificadoras", muito bom, por sinal. Sò não me recordo o link.

Um abraço

Carol disse...

Afinal, qual a solução do Rothbard para aqueles que não teriam condição nem de pagar uma escola de baixo custo? A caridade?

Obrigada e parabéns pelo blog!

Lucas Mendes disse...

Olá Carolina.
Num sistema libertário, no caso de uma pessoa não ter condições, embora tenha interesse em estudar, restaria somente a caridade.

Anônimo disse...

Marco Aurélio pq discorda tb do Friedman? Vc não entendeu que no sistema de vouchers os mais pobres não ficam sem estudar? Não entendeu que iriam poder estudar em escolas decentes? Dã

Anônimo disse...

Quando vc fala no sistema de vouchers as pessoas não entendem, caramba!!! É preferível mesmo a desgraça da educação pública? A falta de qualidade? Vc ainda acha que os mais pobres ficariam sem estudar nesse sistema? Dã

Anônimo disse...

É loucura preferir a educação pública ao sistema de vouchers.