19 de mai. de 2004

ENTREVISTA COM RUBEM DE FREITAS NOVAES

Abaixo segue entrevista com o economista Rubem de Freitas Novaes, concedida via correio eletrônico. Carioca, nascido em 22 de Agosto de 1945, Novaes que já foi aluno de Milton Friedman, George Stigler e Gary Becker na famosa Universidade de Chicago, no Brasil foi professor da melhor escola de Economia do país, a EPGE/FGV, foi ainda presidente do SEBRAE, diretor do BNDES, assessor especial da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, diretor de Bancos de Investimento e Sócio-Gerente de empresa de Consultoria Macroeconômica. Atualmente presta consultoria macroeconômica e de investimentos para clientes do setor privado e produz artigos esporádicos para a grande imprensa (Estadão, principalmente). É com muita honra que apresento aos leitores do blog um bate-papo sobre alguns pontos de sua formação e, de modo geral, seu pensamento diante das circunstâncias da economia política.

Em breve teremos a mesma entrevista com outros dois economistas de distinta grandeza: Nivaldo Cordeiro e Ubiratan Iorio, a fim de fazer um debate com economistas liberais sobre as mesmas questões.


1)O que fez escolher economia? Houve algo especial que lhe inspirou?

Desde muito jovem me interessava pelo assunto. Mas foi um debate do Roberto Campos com o Carlos Lacerda, sobre planejamento estatal, que me fez deixar o vestibular para Engenharia e fazer o concurso para Economia na UFRJ.

2)Quais os professores mais importantes?

Aqui, Octávio Bulhões, Conceição Tavares, Affonso Pastore e Jessé Montello. Nos EUA, Milton Friedman, George Stigler, Gary Becker, Robert Mundell, Harry Johnson e Arnold Harberger.


3)Considera que teve uma boa formação acadêmica?

Tenho um doutorado em Economia pela Universidade de Chicago, que é certamente um dos maiores centros acadêmicos do mundo. Mas, ao longo da vida profissional, a gente também aprende muito.


4)Para o senhor o mercado é um conceito objetivo?

É objetivo porque existem transações físicas e escriturais, cotações, pessoas comprando e vendendo, etc. Mas é também subjetivo na medida em que excita o imaginário de muita gente, que consegue fazer as mais estranhas idealizações do que seja o “mercado”. Exemplo: -“mercado é um ser nervoso, meio canalha, que frita países no óleo como se fossem pastéis” (Ancelmo Góis, em O Globo).


5)O que o mercado tem de tão poderoso na economia?

Escrevi recentemente um artigo para o Estadão: “A Força dos Mercados”, onde mostro que o mercado, quando entendido em sua dimensão mais ampla, chega a se sobrepor à ideologia, para impor um certo rumo aos acontecimentos econômicos e, por conseqüência, políticos. Não é à toa que o Socialismo ganha sempre (numericamente) os debates nas salas de aula e na imprensa e perde para o Capitalismo no mundo prático do real.


6)Qual sua concepção de desenvolvimento econômico?

O ideal seria termos um índice de felicidade global para mensurar o fenômeno. Mas isso não é possível, inclusive por problemas de agregação. Em termos práticos, e para não complicar muito, é melhor considerar que há desenvolvimento econômico quando há crescimento da renda-per-capita.


7)Afinal de contas, porque o Brasil é subdesenvolvido?

Partimos de uma base fraca de capital humano e o fato de termos sido colônia de um país retrógrado não ajudou nem um pouco. O clima tropical e a distância dos grandes mercados também são fatores que nos atrapalham. Hoje, a natureza de nossas instituições e a cultura paternalista que se formou são os principais obstáculos ao nosso desenvolvimento.


8)Qual é o papel da matemática e da econometria na pesquisa econômica?

A Matemática foi fundamental para sistematizar a Ciência Econômica e para defende-la da falta de lógica de muitos. A Econometria tem mais a ver com a pesquisa aplicada. É um instrumento fundamental, mas nunca esqueçamos que “os números, se suficientemente torturados, confessam!”

9)Como o sr. vê a teoria da dependência de Fernando Henrique e Enzo Faletto? Chegou a lê-la?

Embora reconhecendo a inteligência e cultura dos autores mencionados, não lhes reconheço competência para oferecer qualquer contribuição à Ciência Econômica.

10)Quais os livros da literatura econômica que o senhor considera clássicos?

A Riqueza das Nações (Adam Smith), Teoria Geral (Keynes), Ação Humana (Mises), O Caminho da Servidão (Hayek), Capitalismo e Liberdade (Milton Friedman) e Foundations of Economic Analysis (Samuelson).


11)Na sua opinião, qual é o papel do método na pesquisa econômica?

A Ciência Econômica só faz sentido se for “positiva”, ou seja, se puder ser testada. Como dizia o sábio George Stigler: “the proof of the pudding is in the eating” (é comendo que se prova o pudim). Nós economistas construímos teorias, a partir de um conjunto de hipóteses, que precisam ser confirmadas na prática para ganhar relevância e credibilidade. Se a metodologia “positiva” fosse adotada, por exemplo, para aferir a qualidade da teoria socialista a partir dos resultados efetivamente obtidos pelos países dela simpatizantes, muita discussão tola teria sido evitada e muitos povos estariam hoje em melhor situação.

12)O que o senhor acha da teoria da inflação inercial?


Contrariamente a alguns colegas liberais, eu acredito que, após muitos anos de inflação crônica e criados elementos de “indexação”, passa a fazer sentido falar-se em inflação inercial. Vou além e diria que a grande contribuição dos economistas brasileiros para o desenvolvimento da Ciência foi a caracterização da inflação inercial e a descoberta de um método pouco doloroso para combate-la (Plano Real).


13)O que acha da separação entre Micro e Macroeconomia?


Embora só a Microeconomia possa apresentar fundamentos teóricos plenamente baseados na lógica e racionalidade dos agentes econômicos, ainda assim gosto de separar um espaço conceitual para a Macroeconomia, para poder dar destaque ao estudo das principais variáveis agregadas.


14)Quais foram os economistas que mais lhe influenciaram?

Roberto Campos, Og Leme, Milton Friedman, George Stigler e Arnold Harberger.


15) E os economistas brasileiros mais importantes?

Gudin, Bulhões, Roberto Campos, Delfim Netto, Mário Simonsen, Celso Furtado e Conceição Tavares (foram os mais influentes, no geral).


16)Quais livros considera clássicos na literatura econômica brasileira?

Não é do meu gosto mas “Formação Econômica do Brasil”, do Celso Furtado, teve repercussão mundial.

17) O que está morto e o que está vivo em Marx?

Marx já era! Mas acontece que confundem esquerdismo com Marxismo e dizem que tudo é marxismo. Suas teorias e predições mostraram-se totalmente “furadas” com o correr do tempo e é incrível como possam lhe atribuir tantos méritos até hoje.


18) Sobre o Processo de Substituição de Importações (PSI)? Como o sr. viu e vê essa idéia?
A idéia serve apenas para colocar uma bonita roupagem e mascarar o desejo de alguns setores de se apoderarem de privilégios concorrenciais. Não existe “free lunch”. Para beneficiar os setores que podem substituir importações temos que prejudicar seus consumidores e aqueles setores onde justamente somos mais eficientes. Até mesmo os argumentos ligados ao desenvolvimento de tecnologia caíram por terra com a espantosa sofisticação tecnológica do agro-business, que é o maior prejudicado com a substituição de importações (pela alteração do câmbio de equilíbrio).


19) Qual o papel da ideologia na economia?

A ideologia está por trás de muitas posições de economistas (como de sociólogos, cientistas políticos, historiadores, etc.). Daí a importância de se recorrer mais à Economia Positiva, a que já me referi.


20) E das instituições? A teoria de Douglass North tem importância à nós?
As instituições de um país são fundamentais na determinação de seu progresso. Sem o respeito aos contratos e aos direitos adquiridos em geral; sem uma nítida definição dos direitos de propriedade; sem uma justiça rápida, previsível e baseada apenas na letra fria das leis; sem uma religião (ou religiões) que estimule (m) o empreendorismo, sem um Estado enxuto e regido por regras claras e impessoais; etc. fica muito difícil avançar.

21)E o Estado, qual é o seu papel?

O seu papel essencial é o de prover a ordem e a justiça. Mas admite-se que possa ter um papel na atenuação da pobreza e na correção de desigualdades “na largada”, desde que intervenha com “mão leve”. Ao entrar na área social, o Estado deverá faze-lo de forma simples, impessoal e direta, buscando respeitar o princípio da descentralização administrativa e reconhecer que ninguém melhor que os próprios cidadãos para saber de suas necessidades e prioridades. Não se quer dizer com isso que o mercado não tenha suas imperfeições. O que acontece é que o governo, normalmente, ao tentar corrigi-las, acaba gerando mais distorções do que as que pretende eliminar.


22) Como o sr. vê o ensino de Economia no Brasil?

De uma maneira geral, muito pobre e viesado para a esquerda. Mas temos algumas boas escolas tipo: FGV-Rio, PUC-Rio, IBMEC e USP.


23)Quais são as principais contribuições na história do pensamento econômico brasileiro?

Já mencionei que a contribuição relevante de nossos economistas ao pensamento econômico deu-se na criação de um esquema não doloroso de combate a inflações crônicas. (Não é nenhuma mágica, já que tem de ser acompanhado por austeridade fiscal e monetária).
Se a pergunta se refere à História Econômica propriamente dita, a nossa principal obra é a de Celso Furtado, já citada.


24) Somos colonizados academicamente?

A Ciência Econômica tem evoluído muito graças a grandes pensadores europeus e americanos (estes mais recentemente). Não creio que estuda-los importe em ser colonizado.


25)O que o sr. acha da Escola Austríaca de Economia? Porque no Brasil Böhm-Bawerk, Mises e demais seguem sendo ignorado pelo establischment acadêmico?

A Escola Austríaca trouxe desenvolvimentos fantásticos principalmente na Teoria do Valor e na demonstração das falácias do Socialismo. É natural que num meio dominado por socialistas e intervencionistas de toda ordem procure-se ignorar grandes defensores do Liberalismo.


26) Olavo de Carvalho diz que, intelectualmente, o pensamento de “direita” - aí os liberais, é superior ao pensamento “esquerdista”, aí os intervencionistas e socialistas. O que o sr. acha?

Estamos falando da Escola Austríaca e de grandes liberais e você me vem com Olavo de Carvalho? Alto lá! Nem todo o pensamento de direita me atrai. O conservadorismo e o autoritarismo, presentes no pensamento do Olavo, por exemplo, nada têm a ver com o Liberalismo. Como liberal, só posso achar o Liberalismo um ideal mais nobre.

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