O que há de errado com a teoria da pobreza de Hoppe?
I. Introdução
Há quem diga que a preocupação central da economia não é com a pobreza, mas com a riqueza, visto que a pobreza é a condição natural da humanidade, sendo, pois, o desafio da economia, entender a natureza e as causas da riqueza, pois é ela que proporciona uma melhora nas condições de vida do homem, retirando-o daquele estado pobre e hostil de sua situação natural.
Pois bem, ao longo da história do pensamento econômico, diversos economistas e correntes econômicas pensaram o assunto e no mais das vezes chegaram à conclusões diferentes - e até opostas - sobre a força motriz da geração de riqueza em sociedade e, conseqüentemente, dos meios adequados para a redução ou eliminação geral da pobreza. Uma das expoentes escolas foi a escola marxista que argumentava que a causa da pobreza era justamente a riqueza promovida pelo capitalismo. Em que pese o fato de os marxistas reconhecerem que o capitalismo fosse capaz de gerar uma grande quantidade de riqueza por um lado, argumentavam que, por outro lado, esta riqueza era a causadora real da pobreza. Pedro ficava rico porque João ficava pobre, justificavam os marxistas. Esta é, em poucas palavras, a conhecida teoria da exploração capitalista. De fato, a perspectiva marxista apresenta contra-intuitivamente uma teoria da pobreza e não da riqueza das nações.
Todavia, alguns elementos teóricos interessantes – mas equivocados - podem-se extrair desta concepção da causa da pobreza. Primeiro, que a economia é um jogo de soma zero. Isto é, para que alguém possa ganhar necessariamente outro tem de perder, como se a riqueza fosse um quantum estático. Porém, esta perspectiva parece não levar em conta que a economia é um processo dinâmico e não estático, conforme nos mostra com um notável grau de clareza a teoria descoberta pelos economistas austríacos, principalmente Mises e Hayek.
Outra influente escola do pensamento econômico a apresentar uma teoria das causas da riqueza foi justamente a escola liberal, conforme ilustrado nos livros de economistas clássicos como Smith e Mill e que acabaram por projetar um impacto no corpo da teoria da escola austríaca, embora esta escola tenha desenvolvido a abordagem das causas da riqueza em sociedade num grau teórico mais refinado, conforme expõe, por exemplo, Mises em seu monumental livro Ação Humana: um tratado de economia, de 1949. Fundamentalmente, os clássicos, bem como os austríacos, procuraram mostrar que a fonte da riqueza geral começa pelo reconhecimento da propriedade privada dos meios de produção, passando por um ambiente favorável à produção e às trocas comerciais, ou seja, por um sólido ambiente de livre mercado garantido por um Estado de Direito. Alguns elementos de sofisticação teórica descobertos pelos economistas como Hayek, é que a economia é um processo de interação contínua (ao longo do tempo) de agentes econômicos, marcados pela escassez dos recursos e pela incerteza quanto ao futuro (estado de ignorância). A escassez aliada a incerteza (características de qualquer sistema econômico), argumentava Hayek, condiciona os indivíduos quando inseridos num ambiente de livre mercado, a agirem no mercado, produzindo, comprando, vendendo, gastando, poupando, e isto sistematicamente ajuda a reduzir o seu estado de ignorância e escassez, permitindo, deste modo, a descoberta de novos modos de produção, mais eficazes, respondendo a demanda apresentada pelos consumidores. Por outro lado, os consumidores, através de sua experiência, vão aprimorando o seu conhecimento, de modo que passam a evitar erros do passado e acertar, igualmente, suas decisões de consumo. Isto por sua vez, sinaliza para os empreendedores quais são os produtos e suas características mais urgentemente demandas pelos consumidores. É este processo, constituído ao longo do tempo, que fornece os meios mais adequados para a alocação dos escassos recursos econômicos, reduzindo a situação de pobreza e promovendo um aumento no bem-estar geral.
Por certo, existem outras escolas e pensadores que refletiram sobre o tema. Porém, ficaremos com estas duas a molde de ilustração de dois exemplos teóricos tão opostos quanto influentes. Muitas das demais escolas simplesmente seguiram em alguma medida as bases teóricas fornecidas por alguma dessas teorias ou ainda usaram ambas construindo uma fusão teórica para pensar o assunto.
Nossa preocupação, neste artigo, será, todavia, com a teoria do economista e filósofo social germano-americano Hans-Hermann Hoppe. Hoppe é um dos mais notáveis pensadores em atividade ligados a escola austríaca de economia e um dos principais autores anarco-capitalista, e sua contribuição teórica percorre desde a justificação da superioridade ética do capitalismo de livre mercado em oposição a alternativa socialista[1], até uma profunda investigação sobre os males da democracia e do Estado moderno sobre a liberdade e o processo civilizacional[2]. Neste artigo, nosso objetivo central é examinar o seu argumento sobre as causas da pobreza, conforme apresentado no seu livro Democracy: The God That Failed.
II. A lei da preferência temporal
Um dos elementos centrais da justificativa para a decadência civilizacional identificada por Hoppe quando da transição das monarquias para as democracias modernas, é o exame do que os economistas (especialmente os ligados à escola austríaca) chamam de preferência temporal. A preferência temporal é um componente que revela a importância do tempo na ação humana[3]. Convém expor a definição que Hoppe nos apresenta[4]:
I. Introdução
Há quem diga que a preocupação central da economia não é com a pobreza, mas com a riqueza, visto que a pobreza é a condição natural da humanidade, sendo, pois, o desafio da economia, entender a natureza e as causas da riqueza, pois é ela que proporciona uma melhora nas condições de vida do homem, retirando-o daquele estado pobre e hostil de sua situação natural.
Pois bem, ao longo da história do pensamento econômico, diversos economistas e correntes econômicas pensaram o assunto e no mais das vezes chegaram à conclusões diferentes - e até opostas - sobre a força motriz da geração de riqueza em sociedade e, conseqüentemente, dos meios adequados para a redução ou eliminação geral da pobreza. Uma das expoentes escolas foi a escola marxista que argumentava que a causa da pobreza era justamente a riqueza promovida pelo capitalismo. Em que pese o fato de os marxistas reconhecerem que o capitalismo fosse capaz de gerar uma grande quantidade de riqueza por um lado, argumentavam que, por outro lado, esta riqueza era a causadora real da pobreza. Pedro ficava rico porque João ficava pobre, justificavam os marxistas. Esta é, em poucas palavras, a conhecida teoria da exploração capitalista. De fato, a perspectiva marxista apresenta contra-intuitivamente uma teoria da pobreza e não da riqueza das nações.
Todavia, alguns elementos teóricos interessantes – mas equivocados - podem-se extrair desta concepção da causa da pobreza. Primeiro, que a economia é um jogo de soma zero. Isto é, para que alguém possa ganhar necessariamente outro tem de perder, como se a riqueza fosse um quantum estático. Porém, esta perspectiva parece não levar em conta que a economia é um processo dinâmico e não estático, conforme nos mostra com um notável grau de clareza a teoria descoberta pelos economistas austríacos, principalmente Mises e Hayek.
Outra influente escola do pensamento econômico a apresentar uma teoria das causas da riqueza foi justamente a escola liberal, conforme ilustrado nos livros de economistas clássicos como Smith e Mill e que acabaram por projetar um impacto no corpo da teoria da escola austríaca, embora esta escola tenha desenvolvido a abordagem das causas da riqueza em sociedade num grau teórico mais refinado, conforme expõe, por exemplo, Mises em seu monumental livro Ação Humana: um tratado de economia, de 1949. Fundamentalmente, os clássicos, bem como os austríacos, procuraram mostrar que a fonte da riqueza geral começa pelo reconhecimento da propriedade privada dos meios de produção, passando por um ambiente favorável à produção e às trocas comerciais, ou seja, por um sólido ambiente de livre mercado garantido por um Estado de Direito. Alguns elementos de sofisticação teórica descobertos pelos economistas como Hayek, é que a economia é um processo de interação contínua (ao longo do tempo) de agentes econômicos, marcados pela escassez dos recursos e pela incerteza quanto ao futuro (estado de ignorância). A escassez aliada a incerteza (características de qualquer sistema econômico), argumentava Hayek, condiciona os indivíduos quando inseridos num ambiente de livre mercado, a agirem no mercado, produzindo, comprando, vendendo, gastando, poupando, e isto sistematicamente ajuda a reduzir o seu estado de ignorância e escassez, permitindo, deste modo, a descoberta de novos modos de produção, mais eficazes, respondendo a demanda apresentada pelos consumidores. Por outro lado, os consumidores, através de sua experiência, vão aprimorando o seu conhecimento, de modo que passam a evitar erros do passado e acertar, igualmente, suas decisões de consumo. Isto por sua vez, sinaliza para os empreendedores quais são os produtos e suas características mais urgentemente demandas pelos consumidores. É este processo, constituído ao longo do tempo, que fornece os meios mais adequados para a alocação dos escassos recursos econômicos, reduzindo a situação de pobreza e promovendo um aumento no bem-estar geral.
Por certo, existem outras escolas e pensadores que refletiram sobre o tema. Porém, ficaremos com estas duas a molde de ilustração de dois exemplos teóricos tão opostos quanto influentes. Muitas das demais escolas simplesmente seguiram em alguma medida as bases teóricas fornecidas por alguma dessas teorias ou ainda usaram ambas construindo uma fusão teórica para pensar o assunto.
Nossa preocupação, neste artigo, será, todavia, com a teoria do economista e filósofo social germano-americano Hans-Hermann Hoppe. Hoppe é um dos mais notáveis pensadores em atividade ligados a escola austríaca de economia e um dos principais autores anarco-capitalista, e sua contribuição teórica percorre desde a justificação da superioridade ética do capitalismo de livre mercado em oposição a alternativa socialista[1], até uma profunda investigação sobre os males da democracia e do Estado moderno sobre a liberdade e o processo civilizacional[2]. Neste artigo, nosso objetivo central é examinar o seu argumento sobre as causas da pobreza, conforme apresentado no seu livro Democracy: The God That Failed.
II. A lei da preferência temporal
Um dos elementos centrais da justificativa para a decadência civilizacional identificada por Hoppe quando da transição das monarquias para as democracias modernas, é o exame do que os economistas (especialmente os ligados à escola austríaca) chamam de preferência temporal. A preferência temporal é um componente que revela a importância do tempo na ação humana[3]. Convém expor a definição que Hoppe nos apresenta[4]:
Ao agir, o homem invariavelmente pretende substituir um estado de coisas menos satisfatório por um estado de coisas mais satisfatório e, assim, sua própria ação demonstra uma preferência por mais bens do que por menos. Além disso, ele também considera quando sua meta será atingida no futuro, isto é, o tempo necessário para atingi-la, bem como, a durabilidade do bem/meta pretendido. Portanto, o homem também demonstra uma preferência universal por bens no presente do que no futuro e por bens mais duráveis que menos duráveis[5].
A lei da preferência temporal demonstra que quanto maior for a taxa de preferência temporal de uma pessoa, maior é a sua disposição à ações voltadas para o presente como, por exemplo, não poupar o seu salário preferindo gastar tudo em consumo corrente. Contrariamente, quanto mais baixa é a preferência temporal do agente, maior é a sua orientação para o futuro, preferindo algum grau de poupança.
Em termos econômicos, por exemplo, o homem pode escolher entre gastar todo o seu salário no presente, com consumo corrente, ou poupar parte dele para garantir um maior consumo no futuro. O capitalista que investe recursos no presente visando o aumento da produção e da competitividade, também está revelando uma preferência temporal orientada para o futuro, isto é, algum grau de baixa preferência temporal. Consequentemente, a baixa preferência temporal é um componente necessário (por certo não é suficiente) para o progresso econômico, pois é ela que garante a disposição dos agentes à previdência garantindo a poupança e o investimento produtivo, ou seja, a efetiva orientação dos agentes para o futuro[6].
III. A pobreza segundo Hoppe
Neste sentido, baseado num estudo sociológico de Banfield[7], Hoppe apresenta a justificativa para a existência e perpetuação da pobreza como algo totalmente associado à taxa de preferência temporal dos indivíduos. Hoppe apóia a tese de Banfield quando reitera que o sociólogo
Em termos econômicos, por exemplo, o homem pode escolher entre gastar todo o seu salário no presente, com consumo corrente, ou poupar parte dele para garantir um maior consumo no futuro. O capitalista que investe recursos no presente visando o aumento da produção e da competitividade, também está revelando uma preferência temporal orientada para o futuro, isto é, algum grau de baixa preferência temporal. Consequentemente, a baixa preferência temporal é um componente necessário (por certo não é suficiente) para o progresso econômico, pois é ela que garante a disposição dos agentes à previdência garantindo a poupança e o investimento produtivo, ou seja, a efetiva orientação dos agentes para o futuro[6].
III. A pobreza segundo Hoppe
Neste sentido, baseado num estudo sociológico de Banfield[7], Hoppe apresenta a justificativa para a existência e perpetuação da pobreza como algo totalmente associado à taxa de preferência temporal dos indivíduos. Hoppe apóia a tese de Banfield quando reitera que o sociólogo
[...] identifica a preferência temporal como a causa subjacente para a persistente distinção entre classes sociais e culturas, em particular entre “classes altas” e “classes baixas”. Enquanto que os membros das classes altas são caracterizados pela orientação futura, auto-disciplina e disposição de prorrogar alguma gratificação presente em troca de uma maior gratificação no futuro, os membros das classes baixas são caracterizados por sua orientação ao presente e ao hedonismo.
[...] Fenômeno tipicamente associado com os membros das classes baixas, tal como, desintegração familiar, promiscuidade, doenças venéreas, alcoolismo, drogatização, violência, crime, alta mortalidade infantil e a baixa expectativa de vida, tudo tem sua causa comum na alta taxa de preferência temporal. A causa desses males não é o desemprego ou a baixa renda. Alternativamente, nota Banfield, tanto o desemprego quanto a persistente renda baixa são efeitos da alta taxa de preferência
temporal[8].
Temos aqui uma novidade para o pensamento econômico: a causa da pobreza ou da riqueza é definida pela preferência temporal dos agentes. Como reitera Hoppe, nem o desemprego ou a baixa renda são as reais causas dos males associados à pobreza, mas sim, a alta taxa de preferência temporal das pessoas, isto é, a excessiva orientação para o presente.
A questão que se impõe, no entanto, e que parece não ter sido inquirida por Hoppe, é: em que medida o meio e a cultura que determinada pessoa nasce influencia a sua taxa de preferência temporal? Em outras palavras: será que o desemprego, a falta de renda e as situações de destituição em que nasce determinada pessoa, não influenciam a constituição de sua preferência temporal?
Um exame mais acurado da situação pode nos revelar que a pessoa é formada também por uma complexa estrutura psicológica. Isto quer dizer que, de modo geral[9], o meio em que uma pessoa nasce acaba influenciando os seus valores e perspectivas de vida. Se aceitarmos estas assunções, a teoria da pobreza de Hoppe pode estar seriamente comprometida. Não se trata, porém, de rejeitar a idéia de que pessoas pobres possuem uma alta taxa de preferência temporal, mas sim de questionar a ordem causal entre pobreza e preferência temporal dos indivíduos. Se aceitarmos que o meio em que a pessoa nasce influencia a formação dos seus valores em relação à vida, temos de admitir que a alta preferência temporal é, de modo geral, o efeito de uma condição prévia do agente e não a “causa comum” da pobreza.
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[1] Ver “A Theory of Socialism and Capitalism” (1989).
[2] Ver “Democracy: The God That Failed” (2001).
[3] Desde Mises, os economistas austríacos utilizam o método da praxeologia para analisar a economia, e o axioma básico da praxeologia é que a ação humana consiste, sempre, em substituir um estado menos satisfatório por outro mais satisfatório de acordo com os gostos e preferências do indivíduo que age. A ação é determinada pelos componentes meios e fins. Isto é, toda ação é definida pelo uso de meios para atingir algum fim. A praxeologia e a economia, todavia, não se preocupam com o conteúdo dos fins ou dos meios pretendidos pelo agente homem, mas apenas pretendem extrair as leis econômicas por meio da dedução lógica a partir do axioma da ação humana. Ver Mises (1995, cap. 18 e 19) e Rothbard (2002, cap. 1 e 2). Vale também o excelente livro de introdução geral a teoria da escola austríaca de economia “Economia e Liberdade” (1997), de Ubiratan Iorio.
[4] Nosso ponto não está em se opor a teoria da preferência temporal.
[5] Hoppe (2001, p. 1)
[6] Com base nisto, Hoppe (2001) mostra que em comparação com as monarquias, a democracia incentivou ainda mais o aumento da taxa global de preferência temporal, condicionando a ação dos agentes para o presente e, portanto, afetando diretamente o processo econômico, político, cultural e social, provocando o que ele denominou de decadência civilizacional refletida na constatação empírica do aumento nos níveis de criminalidade, na degeneração dos padrões de conduta moral e o crescimento do mega-estado.
[7] Banfield, Edward. The Unheavenly City Revisited. Boston: Little, Brown, 1974.
[8] Hoppe (2001, p. 5-6, 6n).
[9] É indispensável inserir o “de modo geral”, pois é notório que existem exceções. Casos de pessoas pobres, porém previdentes, que se tornam ao longo do tempo mais ricas, e vice-versa. Pessoas ricas e imprevidentes que tornam-se pobres. Isto, no entanto, apenas serve para fortalecer a validade da regra geral.
3 comentários:
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Saludos, del director
--
Raúl Tristán
Oi Lucas, td bom?
Li a sua critica ao Hoppe e postei um comentário no meu blog. Se te interessar:
http://depositode.blogspot.com/2008/07/lucas-mendes-sobre-hoppe.html
Parabéns,seus textos são muito elucidativos e nos remetem a um pensamento crítico e desalienado.
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